Artigo republicado: OS TRÊS SONHOS (Céu, Purgatório e Inferno) Parte 1


24.09.2011 - AUTOR: MONSENHOR EYMARD L´E. MONTEIRO
(obs: Não confundir com os sonhos de Dom Bosco)

Com autorização eclesiástica do Exmo. e Redmo. Senhor Dom Marcolino, Arcebispo de Natal

Estudos e Comentários – Diácono Francisco Almeida Araújo
(os estudos e comentários foram autorizados verbalmente para serem divulgados pela internet pelo diácono quando esteve presente na minha cidade)

À Guisa de Apresentação
O livro que você, leitor amigo, tem em suas mãos é fruto de três sonhos de Monsenhor Eymard e que chegou ao nosso conhecimento e logo percebemos o bem que pode fazer às almas, alertando-as a viverem felizes aqui neste mundo para serem felicíssimas na outra vida.
Ora, a Santa Mãe Igreja nos ensina que Deus se dignou revelar aos homens as verdades para a nossa salvação até o apóstolo João. Essa é a revelação pública, oficial, e à qual todos nós, católicos pela graça de Deus, devemos dar a nossa total adesão de fé.

Não crer nessa revelação pública, que é a Palavra de Deus, tal qual nos ensina a Igreja, é colocar o destino eterno em risco de condenação.

A Igreja também nos ensina que pode haver revelações particulares como aparições, visões, oráculos dos santos e até admite que as tenha havido e que em certo sentido são aprovadas pela Igreja (Lourdes, Parai Le Monial, Fátima), mas as considera raras, as quais hão de ser comprovadas e jamais podem ser pressupostas e só são autênticas as que estão de pleno acordo com a revelação pública, oficial, que é a Sagrada Escritura. A Igreja não exige que obrigatoriamente se creia em revelações particulares reconhecidas por ela.

Mesmo o imprimatur da autoridade episcopal não significa o reconhecimento da Igreja, mas sim de que o conteúdo daquela revelação particular não vai contra a fé e a moral católica.

O que dizer das penas físicas que padecem as almas no Purgatório ou no Inferno?

Deus nos fala por comparações, servindo-se de coisas que nós humanos conhecemos para aproximativamente nos revelar as coisas do mundo sobrenatural (Oséias 12, 10), caso contrário não haveria comunicação, revelação.

A pena física no Purgatório ou no Inferno e até a felicidade no Céu é apresentada por figuras, símbolos, embora a sua realidade seja mais estupenda do que as figuras usadas.

Quanto à pena pelo fogo e outras figuras para representar o sofrimento, temos a dizer que não podemos precisar em que consiste. O certo é que não podemos pensar em fogo tal como conhecemos, igual ao deste mundo.

Não esqueçamos que tudo é um estado de alma. O pecador sofre no Purgatório (temporário) ou no Inferno (eterno) porque reconhece que Deus é sumamente bom e que ele, voluntariamente, se incompatibilizou com o Sumo Bem.

No Purgatório o fogo do sofrimento purificador é a destruição de todo o nosso egoísmo, do pecado de nossa alma. Segundo Santa Catarina Gênova, o fogo que aflige as almas do Purgatório sem as consumir é o fogo de amor, mais doloroso que o fogo como conhecemos aqui na Terra. Diz-nos ela que é uma pena tão intensa que não existem palavras que a possa exprimir e nem a inteligência conceber. A alegria no Purgatório é saber que se verá um dia a Deus face a face e, assim, a alma aceita com prazer esse sofrimento que a purifica e liberta.

No Inferno o sofrimento representado pelo fogo é infinitamente maior, pois a alma sabe que está condenada, pois assim ela mesma escolheu; é o fogo não do amor, mas o fogo do ódio, onde a escravidão do egoísmo se apresenta ao máximo. No Inferno não há amizade só ódio eterno. Terá a companhia dos piores assassinos, criminosos da história, a companhia eterna dos demônios. É um ódio que não acaba nunca, jamais.

Quantos filhos no Inferno odiarão seus pais por ali estarem por culpa deles, pelos seus maus exemplos, por não lhes terem ensinado o caminho da salvação, do Evangelho de Nosso Senhor. Os heréticos e apóstatas se odiarão mutuamente. Odiarão seus “pastores” e odiarão aqueles que um dia os enganaram tirando-os do caminho da salvação...

Demos graças ao bom Deus pela fé recebida, pela graça de sermos católicos, pois pertencer e ser fiel à Igreja é sinal de predestinação.

Que a leitura deste livro desperte no coração do leitor um grande amor a Nosso Senhor, à Virgem Maria, à Igreja Católica e aos irmãos.

Este livro, bem o diz o seu autor Monsenhor Eymard, “fala ao sentimento humano. São simples sonhos contados numa linguagem leve e atraente.

Foi o que pude fazer, diz-nos ainda o autor, para prender o leitor até à última página, deixando-o a meditar sobre o que lera...

E por que não dizer?

Gostaria até que ele ficasse um tanto ou quanto impressionado com a leitura, pois só assim poderia afastar-se do pecado”. Amém, dizemos nós.

 


VIAGEM AO PURGATÓRIO

Nunca me preocupei com os sonhos. Sobretudo quando eles versam sobre coisas sem importância e que têm a sua explicação no cansaço da vida, nas preocupações diárias ou no esgotamento nervoso.

Entretanto, os três sonhos que vou contar merecem um destaque especial, pela sua significação e pelo seguimento com que me foram apresentados por um mensageiro de Deus.

Sonhei que me aparecia um anjo de asas tão brancas e longas como se fossem desconformes para o seu corpo, que parecia de neve. Seu rosto era assim como de vidro, do qual saía um esplendor divino que ofuscava a minha vista.

Aproximou-se de mim o estranho visitante e saudou-me, reverentemente, dizendo:

Salve, representante de Cristo!

Meio tímido, consegui, entretanto, abrir a boca e responder:

Salve! Quem és tu e que desejas?

Continuou o anjo:

Sou um dos querubins que assistem ao trono sagrado de Deus Onipotente (e aqui o anjo fez uma reverência) e vim buscar-te para te mostrar o Purgatório. Hoje é sábado, dia em que Nossa Senhora manda buscar as almas que em vida conduziam o escapulário e cujos donos morreram com ele. Quero que tenhas uma visão real daquele lugar de purificação, onde ficam as almas que ainda não tiveram as suas penas descontadas.

E, no sonho, eu me recordo como falava com o anjo, dizendo:

Sim, mensageiro de Deus. Irei até lá para ajudar os conhecidos que ainda não tiveram Missas celebradas pelas suas almas.

Verás os padecimentos de várias crianças, alunos de Colégios do lugar onde moras que, por muito simples motivo, ainda hoje não poderão ver a face de Deus. Meu interesse de levar-te comigo é justamente por saber que lá estão vários de seus amigos, jovens que foram teus alunos e que a morte arrebatou do mundo no começo da vida, em plena mocidade!

E o anjo me tomou em seus braços sobrenaturais como se fossem nuvens que me envolvessem e atravessou comigo o espaço infinito que nos separava da eternidade. A amplidão misteriosa que nos rodeava naquele instante e o medo que me fazia tremer causavam uma angústia profunda no meu coração, impressionado com o que me poderia acontecer.

Depois de algum tempo, que me pareceu longo demais, nesta subida vertiginosa para um lugar desconhecido, escutei a voz do anjo que me dizia:

Estamos perto! Peço que não te assustes!

Nuvens pesadas passavam por nós e, à proporção que subíamos, o vento uivava como um lobo faminto, em noite de luar. Senti arrepios passarem pelo meu corpo, enquanto avistava, lá embaixo, muito longe, a grande bola da Terra, movendo-se vertiginosamente em torno de si própria.

Fechei os olhos para abri-los depois, quando me sacudiu o anjo para mostrar-me um portão de fogo que tínhamos diante de nós. Grossas chamas saíam pelas frestas, enquanto rolos de fumaça escura invadiam o teto do majestoso prédio.

Disse o anjo:

É aqui!

E, a um sinal da cruz feito com a mão direita em direção à misteriosa entrada, abriam-se aqueles enormes portões, rangendo nos gonzos que os sustentavam.

Entramos.

Um espetáculo doloroso quase me fez cortar o coração. Via, no sonho, almas que sofriam as agruras do fogo e que, à minha passagem, estendiam os braços em atitudes de súplica, sem poderem falar, com uma fisionomia que me causava profunda angústia.

Elas aqui não falam? perguntei.

Não. As almas não podem falar. Quando chegarem ao Céu, poderão ter conhecimento de tudo, pela intuição divina. Esta é justamente uma das grandes formas da felicidade, na bem-aventurança.

E, enquanto falava, o anjo que me conduzia não parava um instante. Parecia apressado, assim como quem dispunha de tempo marcado para cumprir uma missão. Levou-me até ao abismo do Purgatório, estacando, de repente, diante de uma alma. Apontou-me uma jovem de 12 anos, mais ou menos, sentada na ponta de uma labareda. A pobrezinha oscilava aos movimentos incertos da chama vermelha e tinha um ar triste de quem já havia perdido a esperança... Olhei-a, conheci quem era. Lembrei-me dos seus últimos momentos que foram na Terra assistidos por mim. Quando me viu, levantou-se, abriu a boca, num esforço para falar, para gritar, sem poder. Depois, tentou um sorriso estérico, numa feia contorção da boca.

Chamei pelo seu nome:

Marisa!

Mas ela apenas continuou me fitando, enquanto voltava a sentar-se no seu assento de fogo, a um simples gesto do anjo que me seguia. Agora, apontava ele para cinco meninos, um dos quais eu conheci também. Havia morrido há muitos anos de anemia perniciosa e me custou acreditar que ainda estivesse no Purgatório, pois eu havia já celebrado várias Missas por ele.

Sim, é verdade! disse o anjo. Eles cinco irão agora para o Céu. Tuas Missas serviram para eles, embora tivessem sido celebradas por um só. Mas Deus contribuiu os méritos do sacrifício infinito por eles cinco, para que se salvassem no mesmo dia. Todos usavam o escapulário.

E aquela menina? perguntei.

Aquela menina disse o anjo que na Terra se chamava Marisa, não sairá hoje porque tem de purificar-se ainda de umas pequenas faltas que cometeu na vida. Passará mais uma semana no Purgatório.

Olhei para Marisa. E senti toda a angústia de seu espírito. Ao escutar sua sentença, estremeceu, de leve, e, fazendo que não ligava muita importância às dores de suas queimaduras, aprumou-se melhor na ponta da labareda que a envolvia de instante a instante, mergulhando-a naquele mar rubro de imenso fogo.

Voltei-me para o anjo e perguntei:

Que fez ela?

Respondeu o querubim:

Na Terra, batia o pé para a mãe, respondia-lhe com maus modos, fugia de casa e juntou-se com uma colega que foi a causa de sua perdição. Adoeceu de uma forte gripe que apanhou na praia, quando para lá se dirigia, escondida dos pais, com esta tal colega, vindo a falecer de pneumonia dupla.

Na Policlínica, não é verdade?

Exatamente! Foste tu que lhe perdoaste os pecados, mas agora tem de purificar-se das penas... Deus a chamou, apesar dos seus poucos anos, antes que caísse em faltas maiores e se condenasse eternamente.

Baixei a cabeça e caminhei em direção ao portão de saída. Atrás de mim vinha o anjo com as cinco crianças bem-aventuradas. E, enquanto atingíamos o portão flamejante, pensava em inúmeras outras crianças lá da Terra, que eu tanto conhecia, pensava em outras pessoas que estavam em grave perigo de condenação, por não ligarem aos conselhos dos pais, nem procurarem arrepender-se de seus pecados ou corrigir-se de suas faltas. E, ao me despedir do mensageiro celeste, perguntei-lhe:

Será que ainda me vens buscar para outra visita ao Purgatório?

E ele, batendo as longas asas para o Céu, abraçando os novos filhos de Nossa Senhora, exclamou:

Não! Agora, não te virei mais buscar para o Purgatório. Levar-te-ei ao Céu, da próxima vez!

Quando acordei, já eram cinco horas da manhã, hora de levantar-me, imediatamente. Os clarões da aurora tingiam de rubro o horizonte ao longe, através da minha janela aberta. E, enquanto rezava a oração da manhã, não saía do pensamento a lembrança de Marisa... No Purgatório ainda, por causa de sua desobediência!

E saí para celebrar a Santa Missa por aquela infortunada criança, ao mesmo tempo que pensava:

Quantas Marisas, por aí afora, não haverão de sofrer tanto e tanto no Purgatório!...

Comentário: Purgatório é Bíblico?

Fui crente, fui pastor protestante e, portanto, não acreditava na doutrina do Purgatório. Fico triste quando encontro católicos que, influenciados pelo protestantismo, não acreditam no Purgatório. Alguns me perguntam: é dogma de fé o Purgatório? É bíblica a doutrina sobre o Purgatório? A minha resposta sincera e clara é: sim, é dogma de fé o Purgatório e, portanto, bíblica a sua doutrina. Depois que estudei o assunto sobre o Purgatório descobri ser essa doutrina altamente consoladora.

A Igreja ensina que o Purgatório é um estado de purificação moral, em que as almas, não ainda completamente puras, são purificadas mediante penas, tornando-se dignas do Céu. Essa é a definição do dogma.

Quanto às provas escriturísticas (da Bíblia), encontramo-las em II Mac 12, 43-46: “Em seguida fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse em sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era isto um bom e religioso pensamento; eis porque ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas”. Este texto do II livro de Macabeus nos mostra claramente existir um mistério de expiação (um Purgatório) na vida futura. Leia-se ainda Eclo 7, 37.

I Cor 3, 11-15: “Quanto ao fundamento ninguém pode pôr outro diverso daquele que já foi posto: Jesus Cristo. Agora, se alguém edifica sobre este fundamento, com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas, com madeira, ou com feno, ou com palha, a obra de cada um aparecerá. O dia (do julgamento) demonstra-lo-á. Será descoberto pelo fogo; o fogo provará o que vale o trabalho de cada um. Se a construção resistir, o construtor receberá a recompensa. Se pegar fogo, arcará com os danos. Ele será salvo, porém, passando de alguma maneira através do fogo”.

O Apóstolo afirma, pois, que alguns, ainda que construindo sua vida sobre Cristo, entretanto a constroem com obras imperfeitas (palha, feno), serão salvos, mas deverão passar pelo fogo. É o que ensina a Igreja Católica: muitos se salvam, mas devido às suas imperfeições deverão “passar pelo fogo” antes de entrarem no Céu.

Mateus 12, 32: “Todo o que tiver falado contra o Filho do Homem, será perdoado. Se, porém, falar contra o Espírito Santo, não alcançará perdão nem neste século, nem no século vindouro”.

Por esta expressão: “Não alcançará perdão nem neste século, nem no século vindouro”, vemos que há pecados perdoáveis também no século futuro, isto é, no outro mundo. Este lugar, no outro mundo, chama-se Purgatório.

Mateus 5, 26: “Em verdade te digo, dali não sairás antes de teres pago o último centavo”.

Aqui não se trata de Inferno, donde não se pode sair; nem do Céu, lugar de gozo, e não de expiação; mas do Purgatório, único lugar onde se deve expiar “até pagar o último centavo” das faltas leves cometidas nesta vida.

Apocalipse 21, 27: “Nela não entrará nada de profano nem ninguém que pratique abominações e mentiras, mas unicamente aqueles, cujos nomes estão inscritos no livro da vida do Cordeiro”. Ora, por mais puro que seja o homem neste mundo, sempre ele terá máculas contraídas em sua natureza viciada, já que “o justo cai sete vezes”. Condená-lo ao Inferno por ter pequenas fraquezas não o quer a bondade de Deus. Dar-lhe logo o Céu, obsta-o infinita pureza do Senhor. Logo, é necessária uma expiação ou purgação na outra vida, num estado denominado Purgatório.

A Tradição também ensina essa verdade, como o atestam os escritos antigos e a arqueologia.

Para entendermos a doutrina do Purgatório, é preciso saber que nele se conciliam a justiça e a misericórdia divinas. Não se pode enaltecer a primeira sacrificando a segunda. Deus, que é rico em misericórdia (Efésios 2, 4), é o mesmo Justo Juiz (II Tm 4, 8), a cujo tribunal haveremos todos de comparecer (II Cor 5, 10).

O sacrifício de Cristo no Calvário e que se renova no altar não anula a justiça divina, mas abre o caminho do perdão. Até esse perdão está dentro de um critério de justiça. Deus retribuirá a cada um segundo suas obras (Mat 16, 27; Rm 2, 5-8; I Pe 1, 17; Ap 2, 23; Ap 22, 12, etc).

Muitos homens morrem e comparecem imediatamente diante do Tribunal Justíssimo de Deus e estão em tais condições que não poderão ser condenados ao Inferno, pois não estão em pecado mortal, mas, por outro lado, não estão suficientemente puros para entrarem imediatamente na glória do Céu. Nem houve tempo para um arrependimento perfeito ou sofrimentos bastante que os levassem mais profundamente.

Assim como é certíssima a verdade que Deus retribuirá a cada um segundo as suas obras, é certíssima a existência do Purgatório. Graças a Deus! Louvado seja Deus!

Deus nos perdoa, mas exige do pecador perdoado uma pena, uma expiação. Basta lermos Números 14, 11. 12. 19. 20-23; Números 20, 12; Dt 34, 1-5; II Sam 11, 2-7; II Sam 12, 13-14; Jl 2, 12, etc.

O Purgatório nos purifica das penas e das culpas. É doutrina consoladora extraordinária, pois lá brilha o sol da bondade de Deus.

Pena que o Purgatório seja apresentado só como local de sofrimentos e não de alegrias, como nos narra São Bernardino de Sena. A maior dor é de, na Terra, não ter amado mais a Deus e agora (no Purgatório) ter que aguardar um tempo para ver nosso amado Senhor, face a face. Uma coisa é ver de longe e outra é abraçá-Lo.

A figura radiosa do Senhor, vista no momento do Juízo particular, é nosso consolo e força no Purgatório. E ao ver Deus, a própria alma se julga e se reconhece indigna de entrar diretamente no Céu.

O Purgatório é o tempo, a oportunidade de se purificar. É uma Escola de Amor. De Amor a Deus. Senhor, dê-nos o Purgatório desde já, aqui na Terra, pois queremos amá-Lo intensamente. Como a dor nos purifica, nos liberta...

Só queremos Deus. Só Ele nos basta. Diácono Francisco Almeida Araújo

 


VISITA AO CÉU

O mesmo anjo que, na vez passada, me levou ao Purgatório, veio chamar-me para ir ao Céu. Ele me havia dito que, em qualquer noite, poderia voltar para me fazer gozar, ao menos em sonho, a presença de Deus Onipotente, na eterna bem-aventurança. Passei a semana a esperar pela surpresa agradável. E, justamente, nesta noite, eu havia adormecido muito cansado pelos trabalhos e fadigas do dia, com muitos problemas e preocupações. Antes de rezar, fiquei pensando que seria uma boa oportunidade se aquele belo anjo me viesse buscar para ver o Céu.

E foi isto o que aconteceu!

Movido apenas por um sinal do meu companheiro divino, vi-me, de repente, na amplidão do infinito, atravessando as nuvens, subindo, sempre subindo. Uma alegria indescritível se apoderara de mim e, à proporção que ia subindo, sentia-me tão leve, tão diferente, que não pude deixar de fazer minha primeira pergunta:

Para onde me levas, anjo divino?

Vim buscar-te para o Céu! respondeu-me ele.

E por que estou ficando tão leve?

Então, explicou-me o anjo, o que se passava em mim:

Esta sensação que sentes é uma sensação de bem-estar, de alívio, de felicidade que sentem todos os que se aproximam do Céu. Como sabes, o Céu é o lugar que Deus reservou para as almas justas e santas, onde não há nem pode haver tristezas, sofrimentos ou contrariedades. O Céu é a própria felicidade, a alegria sem restrições dos que sempre desejaram o bem e a posse da eternidade com Deus.

É lá que tu moras?

Sim, moro no Céu. Sou dos querubins que estão sempre diante do trono de Deus, para servi-Lo e amá-Lo.

Então, sempre estás a ver Deus?

Sim, vejo Deus todos os dias. E quando tenho de afastar-me de sua presença, como agora, para o desempenho de alguma missão, sinto uma saudade imensa do meu lugar, porque ali a gente vive sempre feliz.

Pensei, então, que bom seria se Deus consentisse que eu ficasse no Céu. E que este sonho não fosse um sonho, mas a pura realidade!... Quanto mais voávamos, mais eu ficava transformado, sentindo algo diferente dentro de mim. Começava a ver os meus desejos satisfeitos e atendia a minha vontade. Via-me contente com tudo o que possuía e o mais interessante é que não desejava mais nada. E aquilo me trazia uma grande admiração, pois quantas coisas tenho ainda que fazer, negócios para resolver e, agora, tudo isso desaparece, por encanto, como se já estivesse realizado!

Num dado momento, o anjo olhou para mim e falou:

Estamos pertinho do Céu! Olha para baixo!

Olhei. A Terra me pareceu tão mesquinha, tão desprezível, tão sem atrações que fiquei admirado de me conformar em viver lá. Quis falar com o anjo, mas, quando olhei o seu rosto, fiquei espantado. O meu companheiro começava a transfigurar-se, ficando translúcido, tão lindo que fiquei abismado. Um sorriso divino, meigo e manso esboçava-se em seu rosto que parecia fitar alguma coisa lá muito distante. Não quis despertá-lo do seu êxtase e esperei que ele me falasse de novo, a fim de perguntar-lhe o que estava vendo. Por fim, comecei a ficar, também, transfigurado e pressenti que a velocidade do nosso vôo diminuía, como sinal de aproximação do Céu. Mais alguns instantes e encontramo-nos diante de um portão muito mais estreito do que o do Purgatório. Ao avistá-lo até pensei que por ele não pudéssemos passar e supus que se tratava de alguma ante-câmera do Céu. Depois que paramos, tive ânimo de perguntar ao anjo:

E agora, onde estamos?

Diante do portão do Céu! respondeu.

Assim, tão estreito?

E o anjo me explicou:

É que a entrada do Céu é muito difícil. O caminho é apertado e a portinha... bem que estás vendo!...

O anjo ajoelhou-se diante daquela porta esquisita, fez três reverências profundas e, aos poucos, ela abriu-se, deixando-nos ver o que estava lá dentro.

Meu Deus, que deslumbramento!

E, a um sinal do meu amigo, segui-o pelas belas alamedas da eternidade. Fomos andando, entre magníficos jardins de belas flores, sentindo o hálito perfumado daquele recanto esplendoroso, onde imperava uma beleza que ninguém pode descrever. Meu corpo se tornava cada vez mais leve. Por pouco, nem tocava mais no chão! Minha ansiedade era tão grande, que não pude deixar de perguntar ao anjo:

Isto aqui já é mesmo o Céu?

Sim, já estamos no Céu. respondeu o querubim. Mas o Céu tem muitos departamentos e agora é que estamos chegando ao primeiro degrau de felicidade.

E apontou-me para umas dependências muito lindas que íamos vendo e que, no sonho, não tinham portas e eram assim como se fosse de vidro, onde estavam as almas bem-aventuradas.

O anjo me foi mostrando aquelas mansões, cada uma mais deslumbrante, mais rica e mais cheia de encantamento. As pessoas que estavam lá dentro tinham uma fisionomia tão linda que fiquei confundido se eram anjos ou simples almas.

São almas, as almas puras. disse-me o anjo.

E continuou mostrando-me os diferentes degraus daquela felicidade:

Ali estão as almas humildes, lá adiante as almas obedientes e ali quero mostrar-te as almas das crianças.

Era um lugar maravilhoso, aureolado de luz, com anjinhos que iam e vinham, sorridentes e felizes. Umas estavam mais altas do que outras.

Por que? perguntei.

Aquelas mais altas estão mais perto de Deus. São as almas das crianças que, na Terra, respeitaram a Igreja, onde está a Eucaristia.

Aproximei-me um instante e pude ver a felicidade daquelas almas deslumbradas de luz pela suave magia da presença de Deus. E, como eu estivesse muito admirado, explicou-me o meu companheiro, o seguinte:

Na Terra, a Igreja é o lugar mais santo. É a casa de Deus por excelência, onde se realizam os atos litúrgicos em homenagem à Santíssima Trindade. A Santa Missa é o Sacrifício da Nova Lei, ao qual estão obrigados a assistir todos o que desejam salvar-se.

Atalhei o amigo, dizendo:

Sei disso, meu querubim. Esqueces que estás falando com um Sacerdote?

Não esqueci que és padre. Apenas quero chegar ao ponto seguinte: as crianças que se comportam bem na Igreja, respeitando a presença de Jesus Cristo, na Eucaristia, são aqui largamente recompensadas. Deus vem visitá-las duas vezes por dia e manda sempre seus anjos para ficarem com elas. Não vistes aquelas crianças que estavam rindo e conversando na Igreja, domingo, à hora em que celebravas a Santa Missa? Pois bem, crianças assim não merecem os favores de Deus, porque estão desprezando a sua casa e a sua presença. Crianças que assim procedem na Terra, ficarão muito tempo no Purgatório, antes de virem para o Céu.

Rapidamente meu pensamento voltou-se para a Terra. E, imediatamente, fiz o propósito de iniciar a minha pregação sobre o comportamento na Igreja, logo que voltasse ao mundo. Porque, se as crianças que são pequenas sofrem, no Purgatório, pela falta de respeito na Igreja, que sofrimento não estará reservado aos adultos?

E continuei meu passeio pelo Céu, olhando a beleza divina da morada dos santos, seguindo a indicação que me fazia o anjo. Estava deslumbrado com tanta felicidade e apesar de estar ali, apenas em sonho, sentia-me tão feliz que fiquei admirado quando o anjo me disse que já fazia um mês que estávamos no Paraíso.

É tão grande a felicidade que Deus reserva às suas almas que nem tomamos conhecimento do tempo. Aqui se vive a plenitude do que é bom, sem notar que já faz mais de um mês que deixamos a Terra!

Isso tudo? perguntei. Parece que foi neste instante que chegamos.

E, ansiosamente, temendo que já estivesse na hora de regressar, perguntei, aflito:

E já vamos voltar?

Não. respondeu o anjo. Ainda ficarás aqui por vários dias, porque tenho uma surpresa para ti.

Qual é?

Terás a grande alegria de falar com Deus.

Ouvindo estas palavras, meu coração estremeceu de contentamento. Falar com Deus. Tantas vezes, na Terra, invocara o seu Nome sagrado, e, agora, ia vê-Lo, face a face!

Quero mostrar-te também os teus santos protetores e a beleza do lugar onde eles moram. Olha para trás e vê a grande distância que nos separa do portão de entrada.

Foi então que percebi que há muitos dias ali estávamos, pois, no sonho, eu via o portão tão longe, tão distante, sumindo-se, pequenino, entre as nuvens douradas da pátria celeste. E, por uma intuição divina, percebia que tal distância só se podia andar, no Céu, dentro de muitos dias.

O anjo levou-me pelas galerias do Céu, ornamentadas com tapeçarias de raro valor, por onde anjos passavam, sempre calmos, mas com a fisionomia de quem ia fazer alguma coisa. Quando passavam por nós, faziam profunda reverência e continuavam seu caminho.

Para onde é que eles vão? perguntei.

São anjos, mensageiros de Deus, que vão à Terra para o cumprimento de alguma missão, assim como eu estou cumprindo a minha.

E por que fazem uma reverência quando passam por ti?

Por mim, não. Quando passam por ti respondeu o celestial amigo. Bem sabes que o Sacerdote tem grandes poderes no mundo e, no Céu, eles então, imediatamente, juntos de Deus.

E, para meu espanto, afirmou:

Sabes de uma coisa? Se um anjo encontrasse, aqui, um Sacerdote e Nossa Senhora, saudaria, primeiro, ao Sacerdote, para depois saudar à Mãe de Deus!

Foi, então, que um calafrio percorreu a minha espinha.

Meu Deus, em que situação estou colocado? Chamado por Deus para o desempenho de uma grande missão. Morar no Céu, junto ao Onipotente e ser saudado primeiro do que Nossa Senhora!

E onde estão as almas dos padres?

O anjo baixou a cabeça, tristemente, e respondeu:

Infelizmente, não poderás vê-las. A grandeza do padre, no Céu, compara-se à grandeza do próprio Deus. Tenho ordens do Onipotente para mostrar-te o lugar que eles ocupam, no Inferno, quando são condenados.

Fiquei assombrado com aquela notícia e perguntei:

E daqui vamos ao Inferno?

Não. Daqui não poderemos passar para o Inferno. Verás a condenação eterna de outra vez.

Então, ainda irás buscar-me para o Inferno?

Foi esta a ordem que recebi.

E, apesar de toda aquela felicidade, da mística alegria que antes invadira o meu coração, comecei a chorar. Ir ao Inferno para ver o lugar onde sofrem as almas dos Sacerdotes que não se salvaram!...

Mas o anjo consolou-me, dizendo:

Não te preocupes. São poucos os que se condenam.

Tu, por certo, estarás salvo. Não vês a predileção que Deus te dá? Protege as tuas obras, ajuda-te, inspira-te bons pensamentos, tudo isso por causa da tua devoção ao divino Espírito Santo.

Aquelas palavras do anjo caíram em mim assim como um bálsamo em ferida magoada. E meu semblante encheu-se de luz, enquanto continuávamos nossa visita pelos paramos celestiais de bem-aventurança.

Estamos diante dos aposentos dos teus santos de estimação. Não podes entrar porque ainda não morrestes. Mas verás os teus protetores, através das paredes de vidro que cercam a mansão dos santos.

E, descerrando uma grande cortina de veludo vermelho, apresentou-me os meus amigos celestiais que, na Terra, são tão invocados por mim.

No sonho, aquele recanto se me afigurava como um imenso campo coberto de mil flores, embaladas pelas carícias da brisa, como se toda a beleza do mundo, isto é, do Céu, ali tivesse sido posta pela mão misteriosa do próprio Deus. Minha alegria chegou ao auge, quando divisei a primeira fisionomia conhecida – Santa Maria Goretti! Lá estava ela. Olhando-me, esboçou um sorriso tão lindo que não pude deixar de exclamar:

Mas, que beleza... que indizível felicidade naquele rosto!...

Disse-me o anjo:

No Céu, os que morrem em defesa de sua pureza trazem sempre sorriso no rosto. Até Deus gosta de contemplar as almas que vivem aqui, por causa de sua pureza!

São Luís de Gonzaga, o patrono do Colégio que eu dirijo na Terra. São Francisco de Assis, o pobre. São Francisco que foi humilde e amigo da Natureza. Ali eu o via beijando a irmã água e contemplando a irmã lua. Santo Antônio, falando aos peixinhos do mar. Santa Teresinha, abraçando o seu crucifixo. São Domingos Sávio, bradando ao mundo que é melhor morrer do que pecar. Agora é que vejo porque ele dizia isso.

E minha admiração continuava e iria muito adiante, se eu não tivesse sido abordado pelo anjo, que me perguntou:

Queres ver o lugar dos papas?

Quero, sim! respondi.

E fomos caminhando pelos gloriosos caminhos do Céu, até, chegarmos diante de uma monumental basílica, assim como a Basílica de São Pedro, em Roma. Uma grande porta se abriu, enquanto belos anjos se apresentavam a nós, perguntando-nos o que desejávamos:

Ver os papas santos respondemos.

Mostra-nos o último que aqui chegou! disse o meu companheiro, dirigindo-se a um colega.

E, fazendo uma grande reverência a mim, o guardião da morada celestial dos papas, disse-nos:

Acompanhai-me!

E fomos andando. Os três, em silêncio. O último papa devia ser Pio X. Tinha vontade de perguntar, mas controlei-me e esperei. Quando fomos introduzidos no recinto dos Santos Padres, o anjo que nos acompanhava tomou de uma trombeta de ouro e tocou uma bela música.

Que significa isso? perguntei ao meu amigo.

Aqui, cada papa atende por uma música diferente. Cada um tem o seu toque de chamada.

E quem é que ele está chamando?

Espere e verás.

E qual não foi a minha surpresa quando, abrindo-se uma cortina de nuvens suaves e macias, apareceu diante de nós o Santo Padre, o Papa João Paulo I. Não resisti de emoção e cai, de joelhos, diante dele. Foi um momento de grande alegria. Fazia pouco tempo que eu havia assistido, na Terra ao seu enterro. Havia rezado diante de seu corpo exposto na Basílica de São Pedro e, agora, eu o tinha ali, junto de mim, podendo até tocar-lhe a batina branca como a própria pureza.

Mas aquilo tudo se passou muito rapidamente e deveríamos continuar nossa visita até a mansão divina onde morava o próprio Deus.

O anjo preparou o meu espírito, dizendo-me que eu ia ter a imensa felicidade, que só é dada às almas bem-aventuradas. E que, se eu tivesse algum pedido a fazer, fosse logo me preparando, porque diante de Deus só se podia falar muito pouco. No Céu não se fala. As almas se inter-compreendem por meio de um dom especial que lhes é concedido. Isso faz parte da felicidade eterna. Entretanto eu ia poder falar pelo simples motivo de ainda não ter morrido e estar ali como simples visitante.

Enquanto íamos caminhando, pisando num tapete de nuvens, concatenava meus pensamentos para fazer um pedido ao meu Criador. Mas, meu coração pulava tanto e uma ansiedade esquisita me apertava tanto a alma, que nem podia acertar com as palavras que eu haveria de dizer, quando estivesse diante de Deus. Por fim, paramos em frente a uma entrada defendida por vários anjos enfeitados de luz. Quando nos viram, ajoelharam-se todos.

Estes são os anjos que velam a presença eterna de Deus disse-me o querubim que me acompanhava.

E, apontando para um lugar vazio, entre eles, continuou:

Vês aquele lugar desocupado?

Vejo-o, sim.

Pois é o meu lugar. Dali saí, chamado por Deus, para trazer-te ao Céu, neste sonho, assim como te levei ao Purgatório, na semana passada.

Enquanto contemplava aquela imensa legião de anjos, vestidos com grandes túnicas, trazendo espadas de ouro flamejante nas mãos, todos de joelhos diante de nós, continuou o meu companheiro:

Nós aqui só nos ajoelhamos diante dos Sacerdotes e diante de Nossa Senhora.

E diante de Deus? perguntei.

Sim, diante de Deus, estamos todos de joelhos. Agora, dá sinal para que se levantem.

E, a um pequeno sinal que fiz com a mão, todos se levantaram.

Isso me deixava, cada vez mais, impressionado. Os Sacerdotes, no Céu, são tão reverenciados quase como o próprio Deus.

E agora, prepara-te para entrar! disse-me o anjo.

Com o coração ofegante e a alma transbordada de emoção, entrei nos aposentos sagrados de Deus Onipotente, o Criador do mundo.

Atônito, deslumbrado, fiquei caído diante da Majestade Divina, sem poder olhar direito aquele resplendor que me cercava de luz. Imóvel, sereno e sem mesmo bater os olhos, ali me deixei ficar, naquele silêncio feliz e tranqüilo que me fazia um bem imenso. Face a face, diante do meu Deus, vislumbrava o grande mistério da Santíssima Trindade, vendo ao mesmo tempo o Pai Eterno, o Filho Jesus Cristo, aquele de quem eu me tornara um representante e o Espírito Santo, inspirador dos meus bons pensamentos. E, enquanto os via assim, em três pessoas distintas, contemplava-as, por uma misteriosa intuição divina, como um só único Deus. Embevecido, maravilhado com aquela visão que eu nunca poderia descrever, perdi a noção do tempo, sentindo uma felicidade que não posso explicar em que consistia, pois era sentida, vivida por mim e não vista! Esqueci-me de tudo o que se passara antes, e até de mim próprio extasiado diante do meu Senhor. E só despertei desta entrega de mim próprio à felicidade que me inundava de satisfação e me enchia de amor, porque o meu companheiro celestial tocou, de leve, em meu ombro, fazendo-me compreender que estava na hora de sair. E, segredando-me ao ouvido, disse:

Faz um ano que estás aqui. Deves retornar à Terra para continuares o teu trabalho junto às almas que te foram confiadas.

E, numa pergunta meio aflita:

Já disseste o que tinhas a dizer?

Não, respondi. Ainda posso falar?

Podes, sim. Aproveita que vou esperar por ti aqui fora.

E retirou-se o anjo, sempre de joelhos, indo colocar-se no seu lugar, junto aos outros querubins e serafins assistentes de Deus.

Foi, então, que recebi uma graça especial e tive coragem de falar.

Meu Senhor e meu Deus! exclamei.

E uma voz maviosa como sussurro de brisa, tão terna, tão meiga que me encheu de coragem para continuar, respondeu:

Fala, servo bom e fiel!

Que doces palavras saídas da boca de Deus. Como me sentia feliz e animado naquela hora que eu desejaria nunca terminasse. Podia compreender, muito bem, toda a satisfação do Apóstolo São Pedro, quando pediu a Jesus para permanecer no monte da transfiguração, propondo-se fazer três tendas, três casas, para Jesus, Moisés e Elias.

Se eu pudesse, também, nunca sairia da presença de Deus e ficaria sempre a escutar a beleza divina de suas palavras de carinho, alentando-me a fazer o meu pedido.

Meu Senhor e meu Deus! continuei. Venho para Vos fazer um único pedido. Venho com a alma cheia de súplica, implorar de Vossa misericórdia perdão para os meus pecados. Se não sou um Sacerdote de acordo com o que deseja o Vosso coração, perdoai-me, Senhor, e ensinai-me a viver como desejais.

E aquela mesma voz suave e terna, deixou-me a brandura deste consolo, enchendo-me de indizível comoção e felicidade:

Sim, meu filho. Teus pecados serão perdoados, na medida do teu arrependimento. Receberás a graça deste arrependimento.

E, parando um instante, deixou que eu experimentasse daquela divina promessa. Por fim, voltou a falar.

Que mais desejas? Pede em nome de Jesus Cristo, de quem tu és um representante!

E pedi. Pedi aquilo que eu julgava imprescindível para o equilíbrio do mundo e para a subsistência da sociedade. Pedi, animado para receber, em nome de Jesus Cristo, o meu Senhor e Mestre. Pedi assim:

Ó Deus Onipotente, já que tenho a ventura de Vos poder falar, peço-Vos uma grande coisa. Suplico-Vos que não Vos esqueçais das mães de todo o mundo. Das mães que me pedem para rezar por elas. Das mães que não sabem ser mães. Das mães que não cuidam de seus filhos. Das mães que escandalizam os filhos. Das mães que desrespeitam a maternidade. Das mães que não são verdadeiras mães. Das mães...

Ia eu assim entusiasmado, fazendo o meu grande e importante pedido a Deus, quando o anjo tocou no meu ombro, dizendo-me:

Deus tem outras coisas para resolver. Já faz mais de um ano que estás aqui, diante dele. Chegou a hora de regressares à Terra. E, mesmo, Deus não poderá atender a todos os seus pedidos sobre as mães. O mais necessário seria que elas, lá na Terra, empregassem os meios para conseguir a salvação. Mas, se não se convertem, se não procuram a Deus, não O podem encontrar. Bom seria se voltasse à Terra e tratasse de prepará-las com tuas pregações, para a grande missão da maternidade, para a sublime vocação de poder dar santos ao mundo.

E puxando-me, de pé:

Ergue-te, vamos, não vês que Deus não está mais aqui?

Verdade, sim. Deus não estava mais ali. E eu a querer continuar falando, pedindo, insistindo. Puro egoísmo de minha parte. Aproveitando-me da oportunidade para querer tudo de uma só vez. Sim, Deus não estava mais ali e fiquei sem saber como Ele havia recebido este outro meu pedido.

Acompanhei o meu guia até o portão de saída do Céu e ali me despedi, perguntando-lhe:

Virás ainda buscar-me para visitar o Inferno?

Sim, foi esta ordem que recebi de Deus.

Estremeci de susto.

E quando será?

BREVEMENTE! exclamou o mensageiro divino.

Nesta hora, despertei e sentei-me, imediatamente, na cama. Meu Deus, que teria sido isso? Um pesadelo? Um simples sonho? Um aviso de Deus?

Enquanto me preparava para celebrar a Santa Missa, pensava, unicamente, na resposta do anjo, avisando-me de que, brevemente, levar-me-ia a visitar o Inferno.

E pedi, com toda a alma, a Deus que me livrasse deste outro sonho!...

 

Comentário: O Céu

É dogma de fé de nossa Santa Igreja que as almas dos justos que no instante da morte se acham livres de toda culpa e pena do pecado entrem no Céu. O Céu, ensina-nos a Mãe Igreja, é um lugar e estado de perfeita felicidade sobrenatural, a qual tem sua razão de ser na visão de Deus e no perfeito amor a Deus que dela resulta.

O coração humano é uma exigência de felicidade e todos nós temos uma nostalgia, uma saudade imensa do Paraíso perdido. Quantas vezes não sentimos uma saudade forte e não sabemos bem de quê. É do Céu, pois Deus nos criou para a Vida Eterna, para a Felicidade Eterna. A Sagrada Escritura registra a verdade sobre a imortalidade da alma (Salmo 48, 16; 72, 26; Daniel 12, 2; II Macabeus 6, 26; 7, 29.36). A Bíblia fala da ressurreição em muitas passagens e condena a superstição reencarnacionista, pois só temos essa vida aqui na Terra, vindo depois a Eternidade (Hebreus 9, 27).

O livro de Sabedoria nos descreve a felicidade e a paz das almas dos justos, que descansam nas mãos de Deus e vivem eternamente com Ele (Sabedoria 3, 1-9; 5, 15-16). Nosso Senhor representa a felicidade do Céu sob a imagem de um banquete de casamento (Mateus 25, 10; 22, 1ss; Lucas 14, 15ss) designado esta bem-aventurança de vida ou vida eterna (Mateus 19, 19; 25, 46; João 3, 15ss; 4, 14; 5, 24; 6, 35-39; 10, 28; 12, 25; 17, 2). A condição para alcançar a vida eterna é conhecer a Deus e a Cristo (João 17, 3). Aos puros de coração, Cristo promete que verão a Deus (Mateus 5, 8).

Nada na Terra pode ser comparado à beleza e à felicidade do Céu, embora a beleza e a felicidade aqui neste mundo, seja uma pálida imagem da realidade do Céu. Leia-se as palavras do Apóstolo São Paulo, que foi arrebatado até o Céu (I Coríntios 2, 9; II Coríntios 12, 4). Aos fiéis que perseverarem até o fim está garantida uma recompensa da vida eterna (Romanos 2, 7; 6, 22s) e uma glória que não tem proporção com os sofrimentos deste mundo (Romanos 8, 18). Em lugar do conhecimento imperfeito de Deus que possuíamos aqui nesta vida, então veremos a Deus imediatamente (I Coríntios 13, 12; II Coríntios 5, 7).

Uma idéia fundamental da teologia de São João é que pela fé em Jesus, Messias e Filho de Deus, consegue-se a vida eterna (João 3, 16.36; 20, 31; I João 5, 13). A vida eterna consiste na visão imediata de Deus (I João 3, 2). O livro do Apocalipse nos descreve a felicidade dos bem-aventurados que se acham na presença de Deus e do Cordeiro, isto é, Cristo glorificado. Todos os males físicos desaparecerão (Apocalipse 7, 9-17; 21, 3-7).

No Céu, os que permanecerem na fé verdadeira, também serão extraordinariamente felizes, pois estarão na companhia de Cristo (no tocante a Sua humanidade), da Virgem Santíssima, dos anjos, dos santos e voltarão a reunir-se com os seres queridos, familiares e amigos, que tiveram durante a vida terrena e conhecerem as obras de Deus.

Diz-nos, ainda, o dogma de nossa fé católica, que a felicidade do Céu dura por toda a eternidade. Nosso Senhor compara a recompensa pelas boas obras aos tesouros guardados no Céu, o que não se podem perder (Mateus 6, 20; Lucas 12, 33; 16, 9). Os justos, diz a Sagrada Escritura, irão para vida eterna (Mateus 25,46; 19,29; Romanos 2, 7; João 3, 15s). São Paulo fala da eterna bem-aventurança empregando a imagem de uma coroa incorruptível (I Coríntios 9, 25). São Pedro, nosso primeiro Papa, a chama de coroa imperecível de glória (I Pedro 5, 4).

O Céu é o cumprimento de todos os desejos legítimos e análogos ao estado futuro do homem (Salmo 16, 15). Para o provar, bastam estes dois princípios: primeiramente, o Céu é o livramento completo do mal e o gozo completo da pura felicidade sem fim; em segundo lugar, o homem será, no Céu, verdadeiro homem, isto é, em corpo e alma. O Céu será pois, a felicidade completíssima do corpo e da alma. Assim nos ensina a Santa Mãe Igreja baseada na Sagrada Escritura, na tradição e a nossa razão, o nosso coração diz amém! O Céu é uma exigência fundamental do coração humano.

Eis, pois, a razão porque o homem deseja o Céu com todas as forças do seu ser. Criado para a felicidade, gravita incessante e irrestivelmente para o seu fim, como a agulha tocada com o ímã para o pólo, e como tudo na natureza para o seu centro. Desde o berço até o túmulo, este ser abatido e desgraçado busca a sua reabilitação e o livramento do mal; este rei destronado busca o seu trono; busca-o por toda a parte, lembrando-se do Céu. Lamentavelmente, o homem sem a estrela, a bússola que o conduz ao Céu, a Igreja Católica, na sua procura de felicidade coloca-a onde ela não está e essa é uma terrível conseqüência de sua degradação. Dir-se-ia uma grande criança que, colocada na margem de sereno lago, vê de súbito no espelho das águas a imagem da lua. Toma-a pelo próprio astro, e no seu erro, precipita-se no lago, e a imagem de despedaça; e quanto mais se agita para a apanhar, menos a alcança. E o que resulta dos seus penosos esforços é a fadiga, o desespero, a morte no meio das águas. É o homem a buscar a seus pés o que está acima dele, perseguindo a sombra e não a realidade. Seu coração deseja felicidade, o Céu, mas o homem sem a razão iluminada pela fé segue o instinto e como pecador abraça a sombra dos prazeres da carne e erra o alvo; ao invés do Céu e da liberdade, encontra o Inferno, a escravidão. Diácono Francisco Almeida Araújo

Acesse a Parte 2 - O SONHO DO INFERNO

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