Lembrando o Cardeal Lucas Moreira Neves: A escola de criminalidade e violência que se tornou a televisão brasileira. Acuso-a de ser corruptora de menores, em virtude de programas da mais baixa categoria moral, pelas cenas e pelo palavreado


24.07.2017 -

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Dom Lucas Moreira Neves - Falecido em 2002

(artigo de 1993, mais atual do que nunca)

Do polêmico manifesto de Emile Zola estou plagiando somente o título – e, se puder, a veemência. Fora isso, não pretendo revisitar nesta crônica o clamoroso affaire Dreyfus. O meu j’accuse é assestado contra a televisão brasileira. E o lanço como brasileiro preocupado com meu País e como bispo responsável por grande número de fiéis.

Não quero, de modo algum, generalizar. Estou pronto a excetuar da minha acusação o canal dedicado à educação e cultura e os programas que, nos diferentes canais, contribuem para o crescimento e a elevação cultural e humana da população.

Feito isso, e tomando por testemunhas a sociedade brasileira em geral, os pais de família e os educadores em particular, os pastores de Igrejas e líderes religiosos, eu acuso a televisão brasileira pelos seus muitos delitos.

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Acuso-a de descumprir sistematicamente as funções em vista das quais obteve do governo uma concessão: informar, educar, cultivar, formar consciência e divertir. Em vez disso, ávida somente de pontos no Ibope e de faturamento, ela não hesita em apelar aos instintos mais baixos do homem. Seu pecado mais grave é o que concerne à educação por ser esta a necessidade e as exigências fundamentais no nosso País. Com raras e louváveis exceções, a tevê brasileira não só educa, mas, com requinte de perversidade, deseduca. Abusando dos seus recursos técnicos, do seu poder de persuasão e de penetração nos lares do País inteiro, ela destrói o que outras instâncias pedagógicas e educativas, a duras penas, procuram construir.

Acuso a televisão brasileira de ministrar copiosamente à sua clientela os dois ingredientes que, por um curioso fenômeno, andam sempre juntos: a violência e a pornografia. A primeira é servida em filmes para todas as idades. A segunda impera, solta, em qualquer gênero televisivo: telenovelas, entrevistas, programas ditos humorísticos, spots publicitários e clips de propaganda. Há cerca de três anos, em artigo no JB, o editor e jornalista Sérgio Lacerda denunciava que, com sua enxurrada de pornografia, a TV brasileira está formando uma geração de voyeurs.

Acuso a televisão do nosso País de estar utilizando aparelhagens e equipamentos sofisticados com o objetivo de imbecilizar faixas inteiras da população. Uma geração de debilóides. O processo se torna consternador e inquietante quando, a pretexto de humor, um instrumento de educação, como a escola, se transforma em “escolinha”, onde o mau gosto, a idiotice, o achincalhe são dados em pasto a crianças, adolescentes e jovens em formação. Em matéria de humor televisivo, aliás, poucos o analisaram tão profundamente como Moacyr Werneck de Castro, ao apontá-lo como verdadeira regressão à infância, por meio de um ‘repertório de boçalidades’ (Humor na Televisão, JB 06/07/91).

Acuso a TV brasileira de ser demolidora dos mais autênticos e inalienáveis valores morais, sejam eles pessoais ou sociais, familiares, éticos, religiosos e espirituais. Demolidora porque não somente zomba deles, mas os dissolve na consciência do telespectador e propõe, em seu lugar, os piores contravalores. Neste sentido, é assustadora a empresa de demolição da família e dos mais altos valores familiares – amor, fidelidade, respeito mútuo, renúncia, dom de si – realizada quotidianamente, sobretudo pelas telenovelas. Em lugar disso, o deboche e a dissolução, o adultério, o incesto. 

Acuso a TV brasileira de ser corruptora de menores, em virtude de programas da mais baixa categoria moral, pelas cenas e pelo palavreado, em horários em que crianças estão diante da caixa mágica.

Acuso-a de atentar contra o que há de mais sagrado, como seja, a vida. Não há muitos dias, em programa reprisado, milhares de espectadores viram e ouviram, no diálogo entre um talkman e uma jovem de vinte anos a mais explícita apologia do aborto e o não velado incitamento à supressão de vidas humanas no seu nascedouro.

Acuso-a de disseminar, em programas vários, idéias, crenças, práticas e ritos ligados a cultos os mais estranhos. Ela se torna, deste modo, veículo para a difusão de magia, inclusive magia negra, satanismo, rituais nocivos ao equilíbrio psíquico.

Acuso a TV brasileira de destilar em sua programação e instilar nos telespectadores, inclusive jovens e adolescentes, uma concepção totalmente aética da vida: triunfo da esperteza, do furto, do ganho fácil, do estelionato. Neste sentido, merecem uma análise à parte as telenovelas brasileiras sob o ponto de vista psicossocial, moral, religioso. Quando foi que, pela última vez, uma novela brasileira abordou temas como os meninos de rua, os sem-teto e sem-trabalho, os marginalizados em geral? Qual foi a novela que propôs ideais nobres de serviço ao próximo e de construção de uma comunidade melhor? Em lugar disso, as telenovelas oferecem à população empobrecida, como modelo e ideal, as aventuras de uma burguesia em decomposição, mas de algum modo atraente.

Acuso, enfim, a televisão brasileira de instigar à violência: ‘A televisão brasileira terá de procurar dentro de si as causas da violência que ela desencadeou e de que foi vítima’ (Editorial Estrelas candentes, JB, 06/01/93). ’Já se chamou a atenção para o fato de que o crescimento de rede monopolística da televisão coincida com o crescimento da violência no país e jamais se chegará no âmago da questão enquanto a própria televisão se recusar a assumir sua responsabilidade’ (Editorial Limites da dor, JB, 08/01/93). Ela não pode procurar álibis quando essa violência produz frutos amargos. Quem matou, há dias, uma jovem atriz? Seria ingenuidade não indiciar e não mandar ao banco dos réus uma co-autora do assassinato: a TV brasileira. A novela das oito. E – sinto ter que dizê-lo – a própria novela De corpo e alma.

Cardeal, e ex-Primaz do Brasil Dom Lucas Moreira Neves (+ in memorian)

Artigo publicado em 13 de janeiro de 1993 no Jornal do Brasil

Fonte: https://opusmaterdei.blog

 

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