Mudanças na Congregação para os Bispos: a não renovação de Burke e Rigali causa perplexidade.


17.12.2013 -

n/d

 O conservador Dom Raymond Burke

Por Dr. Robert Moynihan – Inside the Vatican | Tradução: Fratres in Unum.com -

O Papa Francisco faz vaticanistas darem cambalhotas ao analisarem a sua decisão na tentativa de avaliar o rumo que ele poderá dar a Igreja.

Hoje em dia, essas cambalhotas quase que se tornaram cambalhotas invertidas, como um novo remanejamento dos membros da Congregação da Santa Sé para os Bispos – que escolhe todos os Bispos católicos para o rito latino ao redor do mundo –, que desencadeou uma onda de análises na blogosfera.

Grande parte dessas análises se concentra na não manutenção do cardeal Raymond Burke, considerado um “conservador” litúrgico, como membro da Congregação.

A conclusão tendia a ser de que o Papa Francisco quer uma Congregação mais “progressista”, a fim de escolher bispos mais “progressistas”.

(Para selecionar Bispos católicos, o Núncio local em cada país escolhe três candidatos, chamados de terna, e em seguida envia os nomes a Roma; a Congregação Romana para os Bispos considera os nomes, e, frequentemente, aprova os melhor candidato dos três, mas nem sempre. A composição da Congregação é estudada cuidadosamente pelo vaticanistas que buscam tendências “progressistas” ou “conservadoras” em Roma.)

Porém, essa conclusão pode se basear em um processo de pensamento guiado por uma agenda, ao invés de um entendimento verdadeiro do que o Papa Francisco está tentando fazer.

Uma grande preocupação, ao que parece, foi incluir homens a quem o Papa conhece pessoalmente, homens como Stella, Baldisseri, Koch, Ortega, Gomez e Braz de Aviz.

O comunicado oficial do Vaticano hoje [domingo, 15] disse que o Papa havia:


- confirmado como Prefeito Cardeal Marc Ouellet;

- nomeado como membros os cardeais: Francisco Robles Ortega, Arcebispo de Guadalajara (México); Donald William Wuerl, Arcebispo de Washington (EUA); Rubén Salazar Gómez, Arcebispo e Bogotá (Colômbia); Kurt Koch, Presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade Cristã; João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica; e Monsenhores: Pietro Parolin, Arcebispo titular de Acquapendente, Secretário de Estado; Beniamino Stella, Arcebispo titular de Midila, Prefeito da Congregação para o Clero; Lorenzo Baldisseri, Arcebispo titular de Diocleziana, Secretário Geral do Sínodo dos Bispos; Vincent Gerard Nichols, Arcebispo de Westminster (Grã Bretanha); Paolo Rabitti, Arcebispo emérito de Ferrara-Comacchio (Itália); Gualtiero Bassetti, Arcebispo de Perugia-Città della Pieve (Itália); Felix Genn, Bispo de Monique (Alemanha);

- confirmado os Cardeais membros: Tarcisio Bertone, Zenon Grocholewski, George Pell, Agostino Vallini, Antonio Cañizares Llovera, André Vingt-Trois, Jean-Louis Tauran, William Joseph Levada, Leonardo Sandri, Giovanni Lajolo, Stanisław Ryłko, Francesco Monterisi, Santos Abril y Castelló, Giuseppe Bertello, Giuseppe Versaldi; e Monsenhores: Claudio Maria Celli, José Octavio Ruiz Arenas, Zygmunt Zimowski;

- confirmado os Consultores.

Robert Mickens, escrevendo para o The Tablet de Londres, observa: “O Papa Francisco reconfirmou o Cardeal Marc Ouellet PSS, 69, como prefeito da Congregação para os Bispos, um cargo que ele chefia desde 2010. Porém, atualmente, o Papa também alterou de maneira significativa os membros da Congregação, substituindo três conservadores líderes – incluindo o Cardeal americano Raymond Burke, 65.” (link)

Gerard O’Connell, escrevendo para o Vatican Insider do jornal La Stampa de Turim, colocou a questão desse jeito: “Fora as novas nomeações, certamente, o aspecto que mais chama a atenção da decisão do Papa foi a não confirmação de vários membros da congregação altamente influentes, dentre eles os cardeais americanos Raymond Burke e Justin Rigali, os cardeais italianos Mauro Piacenza e Angelo Bagnasco, e o cardeal espanhol Antonio Rouco Varela.”

O’Connell continuou: “Da perspectiva da Igreja Católica nos EUA, a não confirmação de Cardeais Rigali e Burke é particularmente significativa. Fontes dizem que Rigali, que renunciou como arcebispo de Filadélfia em 2011, havia desempenhado um papel principal na seleção de bispos para dioceses nos EUA há algumas décadas. Igualmente, o Cardeal Burke, o chefe do mais elevado Tribunal do Vaticano – a Assinatura Apostólica — e uma figura líder na ala conservadora da Igreja, havia se tornado o agente mais influente na seleção dos bispos americanos desde que Bento XVI o nomeou para a congregação em 2009.”

David Gibson, escrevendo para o Religion News Service, sob o título “In Rome, an American rises e another American fades,” [“Em Roma um americano é elevado e outro desaparece”] descreve Burke como “um resquício muito conservador de Bento XVI e um fã de uma espécie de alta elegância litúrgica de que o Papa Francisco não faz nenhuma questão.”

O “palpite” de Gibson é que há um tipo de “rivalidade” entre o mais conservador Burke e o mais progressista Wuerl, e que Francisco “tirou Burke da Congregação for Bispos e acrescentou Wuerl.”

Gibson escreve: “Não se sabe se os dois cardeais são aliados, para dizer o mínimo. É ainda menos provável agora que eles trocarão cartões de Natal este ano.” (link)

Joshua McElwee do The National Catholic Reporter observou outra mudança no tabuleiro. Burke há alguns dias deu uma entrevista para a televisão EWTN (na última quinta-feira) em que dizia “ele não entende porque o Papa não se dedica mais em opor-se ao aborto.” (link)

A implicação é que Burke é ligeiramente crítico do Papa Francisco, e que, poucos dias após fazer essas críticas suaves, ele não foi renomeado como membro da Congregação para os Bispos.

Isso certamente é errado. A decisão sobre quem nomear, quem renovar e quem não renovar, foi tomada muito antes da semana passada.

Além disso, ler qualquer decisão pessoal do Papa como uma indicação clara de sua própria posição teológica, por exemplo, na questão da liturgia (em outras palavras, que Francisco se opõe à liturgia antiga porque ele não renomeou Burke à Congregação para os Bispos), é improvável.

Francisco nos deu bastante evidência de seu respeito pelo rito oriental (o rito bizantino, que tem muita coisa em comum com o rito tridentino), por exemplo, que parece claro que ele não tem intenção de reverter a decisão do Papa Bento de “reabilitar” o antigo rito latino com Summorum Pontificum, de 7 de julho de 2007.

Há muitos fatores que entraram em cena na decisão do Papa sobre quem nomear para a Congregação for Bispos; reduzir a decisão a uma “purgação” do liturgicamente “conservador” Burke é uma leitura equivocada reducionista da intenção de Francisco.

* * *

“Uma espécie de imprevisibilidade”

Dito isso, é muito interessante ler alguns trechos da entrevista do Cardeal Burke à EWTN, na última quinta-feira (transcrita aqui)

A entrevista começa com uma conversa sobre o recente livro de Burke, Divine Love Made Flesh: The Holy Eucharist as the Sacrament of Charity [O amor divino feito carne: a Sagrada Eucaristia como o Sacramento da Caridade]

Então começa a conversa sobre o Papa Francisco.

Raymond Arroyo, o apresentador de notícias da EWTN, então pergunta a Burke sobre aqueles que gostariam que a Igreja parasse de falar sobre o aborto e o casamento gay, e que afirmam que o Papa Francisco explicitamente solicitou aos católicos para “se aterem ao essencial”.

Burke responde: “Bem, a declaração do Papa, ela não diz isso. De fato, é um texto que é totalmente fácil de interpretar. Mas, minha resposta é, o que poderia ser mais essencial do que a lei moral natural? Em outras palavras, eles são, esses atos que são maus sempre e em todo lugar, os primeiros mandamentos de nossa consciência, respeitar a vida humana, respeitar a integridade da família e respeitar a consciência. E então, para mim o Papa não pode estar dizendo, eu não posso interpretar a frase dele, como se estivesse dizendo que isso não é essencial. Eu não estou seguramente certo do porquê ele mencionou isso. Fica-se com a impressão, ou é interpretado dessa forma na mídia, que ele acredita que estamos falando muito sobre o aborto, muito sobre a integridade do casamento entre um homem e uma mulher. Mas, nós nunca podemos falar o bastante disso! Na medida em que nossa sociedade a vida humana inocente e indefesa está sendo atacada da maneira mais selvagem, quero dizer, é literalmente um massacre do nascituro, quando isso agora se estende aos… idosos, àqueles que têm doenças crônicas, aos que são severamente deficientes, a também a toda a questão da criação de embriões humanos artificialmente a fim de destruí-los, ou fazer pesquisas: nós nunca podemos falar o bastante sobre isso, porque se não vemos com clareza o fato de a vida humana, inocente a indefesa, tem uma dignidade inviolável, como compreenderemos todo o resto corretamente, no que diz respeito ao cuidado dos doentes ou ao que quer que possa ser?”

Nota-se aqui a confusão que o ensinamento de Francisco causou mesmo na Cúria Romana.

Burke reconhece aqui que não está “seguramente certo” do porquê Francisco desejou falar sobre outras questões além do aborto, casamento, eutanásia…

Parece claro que Francisco, realmente, afirmou que concentrar somente em ensinamentos morais, mesmo os fundamentais, não é sua visão mais profunda para a proclamação do Evangelho.

Francisco quer falar mais sobre Cristo e sua pessoa, vida e missão, a fim de levar todos em direção a Cristo e, por Cristo, em direção ao bem, isto é, ao amor e respeito pela lei moral.

Arroyo então pergunta sobre os projetos de Francisco para reformar a Cúria Romana.

Novamente, Burke revela sua incerteza.

“Bem, não é totalmente claro para mim exatamente quais serão os resultados da reforma”, disse Burke.

“O Papa teve encontros, eles estão falando sobre a reorganização da Cúria Romana. Mas, até agora, não vi nada concretamente do que será. Declarei, e creio que isso é correto, que não posso imaginar uma reforma da Cúria Romana que não seja, de alguma forma, contínua com Pastor bonus, a constituição apostólica que governou a Cúria Romana desde, creio eu, 1988, quando o Beato João Paulo II reformou a Cúria Romana, porque a Igreja é um corpo orgânico, e o serviço da Cúria Romana é parte da própria natureza da Igreja e, logo, isso deve ser respeitado. Então, não posso imaginar que, de alguma forma, a Cúria Romana tome uma forma completamente diferente. Isso simplesmente não faz sentido”.

[Nota do Fratres: vale notar que, tanto Pe. Lombardi, porta-voz da Santa Sé, como o Cardeal Maradiaga, chefe do grupo de 8 cardeais, disseram expressamente que não se trata meramente de uma reforma ou revisão da Pastor bonus, mas do estabelecimento de algo totalmente no ordenamento da cúria -- um começo do zero, portanto, sem continuidade alguma com o modelo anterior.]

De novo, percebe-se aqui o que deve ser um sentimento difuso entre os oficiais da Cúria Romana sobre o que Francisco poderá escolher fazer em sua tentativa de “reformar” a Cúria.

Arroyo então afirma: “Falando da família pontifícia, Dom Gerg Gänswein é citado em uma revista alemã. Ele afirmou — e ele está falando sobre ser o secretário pessoal do Papa emérito, Bento, e do Papa Francisco — isso: “É uma dor, encontrar o meu caminho no novo trabalho. Tenho a impressão de viver em dois mundos. Espero todo dia por outra inovação, pelo que será diferente. Você já experimento algo do tipo?”

E Burke responde: “Bem, eu não creio que seja algo que não está claro para todos, existe uma espécie de imprevisibilidade quanto à vida em Roma nesses dias. Parece ser uma questão de um certo estilo, e todo Santo Padre é diferente.

Então, é totalmente diferente do Papa Bento que era, que se atinha muito a um certo protocolo, e também a uma certa disciplina de horário e assim por diante, então há um pouco disso, é claro”.

Novamente, vê-se nessas palavras a disposição que pode ser partilhada por muitos hoje em Roma, de que há “uma espécie de imprevisibilidade quanto à vida em Roma nesses dias”.

Fonte: http://fratresinunum.com/

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