Padre Joseph Schrijvers: A Renúncia, Moderar a Pretensão do Espírito


17.05.2015 -

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Como os perigos dos sentidos esperam o jovem coração à entrada da vida, assim os do espírito ameaçam perverter a jovem inteligência pronta a dedicar-se ao estudo.

Apenas o espírito começa a ter consciência de sua força, a formar raciocínios, a gozar a doçura das primeiras descobertas no campo da verdade, e já a semente do orgulho deita raízes na alma com risco de romper o equilíbrio entre o espírito e o bom-senso.

Se os talentos dados por Deus excedem um pouco a mediocridade, a ambição intelectual bem depressa não conhece mais limites, o espírito sacia-se de tudo com avidez, enche-se mais de vaidade do que de verdade.

São Paulo disse: Scientia inflat (I Cor 8,1). A ciência incha.

O escolho desta formação intelectual tem sido a parte excessiva dada às luzes humanas em detrimento da luz divina, o predomínio do estudo sobre a oração, o culto da razão humana e o esquecimento do seu absoluto nada e de sua universal fraqueza.

O que é o mais sublime gênio diante da sabedoria de Deus? É com sacrifício que a mais poderosa inteligência consegue, depois de uma vida de esforços e de pesquisas, entrever um ou outro problema científico e quando crê resolvê-lo, vê surgir outras questões mais complicadas e abrir-se diante de si novos horizontes, que não conseguirá nunca abranger.

O verdadeiro sábio é humilde. Ao contato da verdade, sua inteligência inclina-se perante Deus, em vez de elevar-se em si própria. É tolerante para as opiniões de outrem, respeita o que não compreende, não censura nem desdenha o que excede à sua competência.

Não exagera a importância de sua missão na Igreja. Está incumbido de manter o movimento no mundo das idéias, como o vento está encarregado de manter as correntes no ar, como o fluxo e o refluxo devem renovar o movimento nas águas do mar.

Sem movimento há estagnação e onde há estagnação, há em breve corrupção.

Eis aí por que é necessário movimento no mundo das inteligências, um movimento sempre contínuo, discussões sempre ativas.

Deus colocou em face, no mundo material, as duas forças centrífuga e centrípega, fatalmente inimigas. Mas de sua posição surge, sob a mão diretriz de Deus, a magnífica ordem do universo.

Assim Deus colocou em face, no mundo das idéias, uma força centrípeta: o princípio de autoridade, e uma força centrífuga: o princípio de liberdade.

Os dois princípios estão certos, foram estabelecidas por Deus; mas Deus não incumbiu neste mundo à razão humana de harmonizá-los inteiramente. Daí nasceram e deviam nascer diferentes sistemas sobre questões fundamentais de filosofia e de teologia: o concurso divino, a premoção, a ciência de Deus, a predestinação, a natureza da graça, e, nestes últimos tempos, a essência e o papel da contemplação.

Estas discussões não terminarão nunca. Os sábios devem continuá-las e, por determinação de Deus, produzir o fluxo e o refluxo necessários no mundo das inteligências.

O verdadeiro sábio está, pois, muito longe de dar à ciência o primeiro lugar na sua vida. O principal trabalho, para ele como para o mais ignorante, é progredir na vida espiritual, ser semelhante a Jesus Cristo manso e humilde de coração.

Entrega-se ao estudo como o empregado ao seu trabalho, unicamente para fazer sua tarefa cotidiana designada pelo dever. Enquanto estuda, eleva de vez em quando o coração para Deus, e murmura um ato de amor a Jesus e Maria.

Assim estudavam São Tomás, São Boaventura, São Bernardo, Santo Afonso. Eram verdadeiros e grandes sábios, mas seu principal mérito, diante de Deus e dos cristãos, é o de haverem sido verdadeiramente humildes.

Estes sábios desconfiavam de seu saber e envergonhavam-se de sua reputação de ciência. Lembravam-se da palavra do Mestre: Nec vocemini magistri, quia magister vester unus est, Christus (Mt. 23,10). Não vos intitules mestres, porque vosso Mestre é um só, Cristo.

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Este único Mestre pode ensinar uma ciência mais elevada, mais profunda e mais vasta que os doutores humanos e se apraz em comunicá-la às almas humildes, por seus dons de sabedoria, inteligência e ciência.

Não disse Jesus: Confiteor tibi, Pater, quia abscondisti haec a sapientibus et prudentibus, et revelasti ea parvulis? (Mt 11,25). Dou-vos graças, ó Pai, porque ocultastes estas coisas aos sábios e aos prudentes e as revelastes aos humildes.

Estes sábios apóiam-se mais na solidez de seu raciocínio do que na palavra de Deus ou na aspiração divina; estes prudentes procuram mais cultivar sua personalidade humana do que a vida de Jesus Cristo, cujo germe jaz encerrado na sua alma pelo batismo.

Estes sábios e estes prudentes bebem seus conhecimentos das coisas espirituais exclusivamente nos livros, que chamam científicos, e negligenciam ir à escola do Espírito Santo pela oração humilde e pela meditação do Evangelho.

Ó Jesus! Afastai de nós a presunção do espírito. Enquanto nossa inteligência se ocupa por dever em adquirir a ciência, esclarecei-a simultaneamente sobre esta ciência mais necessária do amor divino, da perfeita renúncia e da total doação a Vós.

Que maravilhosos segredos teríeis podido revelar outrora quando vivíes entre os homens e, se Vos tivésseis dignado fazê-lo, de que reconhecimento Vos teriam cercado os sábios de todos os tempos, e como celebrariam nos séculos futuros vosso prodigioso saber!

Conheceis todos os arcanos da natureza. Sabíeis, por exemplo, todas as maravilhas da eletricidade apenas imaginadas pela ciência moderna. Enquanto conversáveis com os judeus de Jerusalém, podíeis, à vontade, ouvir os discursos do foro de Roma ou da Atenas. Era-Vos lícito dar a Vosso ouvido humano a sensibilidade do mais perfeito posto receptor de telefonia sem fio.

Porque Jesus nada revelou de todos estes segredos? Verossimilmente, porque um ato de uma alma humilde tinha mais valor aos seus olhos do que toda a ciência do mundo.

Em vez de revelar os segredos perecíveis do tempo, contentou-se em descobrir os da eternidade. Em vez de fazer admirar sua prodigiosa ciência, disse: Discite a me quia mitis sum et humilis corde, et invenietis réquiem animabus vestris (Mt. 11,29). Aprendei de mim o segredo de ser mansos e humildes de coração, e achareis a paz de vossas almas.

Em vez de fascinar a inteligência dos homens, quis atrair seu coração e aliviar suas misérias: Si qui laboratis et onerati estis, et ego reficiam vos (Mt. 11,28). Vinde a mim vós todos que sofreis e sucumbis sob o fardo, e eu vos aliviarei.

É necessário cultivar a ciência, mas é necessário cultivá-la com moderação: Oportet sapere, sed sapere ad sobrietatem (Rom 12,3).

Se não tendes a obrigação ou a vocação, não examineis curiosamente os livros relativos às questões debatidas entre sábios, mesmo as de espiritualidade. A sede de saber produz rodeios inúteis sobre vós mesmos e sobre vossa maneira de orar.

Possuísseis vós todos os conhecimentos do mundo para distinguir onde começa a mística e onde acaba a ascese, para enumerar os múltiplos matizes e graus da contemplação, este conhecimento não vos faria subir um só degrau na verdadeira oração.

Só Deus deve infundir esta graça, e se apraz em fazê-Lo quando uma alma lho pede com humilde confiança…

Almas Confiantes – Padre Joseph Schrijvers

Fonte: Dominus Est

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Nota de www.rainhamaria.com.br

Lembrando o artigo publicado em 17.07.2014

São Francisco de Sales: O mundo sempre nos fará guerra

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Assim que a tua devoção se for tornando conhecida no mundo, maledicências e adulações te causarão sérias dificuldades de praticá-la. Os libertinos tomarão a tua mudança por um artifício de hipocrisia e dirão que alguma desilusão sofrida no mundo te levou por pirraça a recorrer a Deus.

Os teus amigos, por sua vez, se apressarão a te dar avisos que supõem ser caridosos e prudentes sobre a melancolia da devoção, sobre a perda do teu bom nome no mundo, sobre o estado de tua saúde, sobre a necessidade de viver no mundo conformando-se aos outros e, sobretudo, sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios.

Filoteia, tudo isso são loucas e vãs palavras do mundo e, na verdade, essas pessoas não têm um cuidado verdadeiro de teus negócios e de tua saúde: Se vós fôsseis do mundo, diz Nosso Senhor, amaria o mundo o que era seu; mas, como não sois do mundo, por isso ele vos aborrece.

Veem-se homens e mulheres passarem noites inteiras no jogo; e haverá uma ocupação mais triste e insípida do que esta? Entretanto, seus amigos se calam; mas, se destinamos uma hora à meditação ou se nos levantamos mais cedo, para nos prepararmos para a Santa Comunhão, mandam logo chamar o médico, para que nos cure desta melancolia e tristeza. Podem-se passar trinta noites a dançar, que ninguém se queixa; mas por levantar-se na noite de Natal para a Missa do Galo, começa-se logo a tossir e a queixar de dor de cabeça no dia seguinte.

Quem não vê que o mundo é um juiz iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de Deus?

Só nos pervertendo com o mundo, poderíamos viver em paz com ele, e impossível é contentar os seus caprichos.

É verdade, Filoteia, se condescenderes com o mundo e jogares e dançares, ele se escandalizará de ti; e, se não o fizeres, serás acusada de hipocrisia e melancolia. Se te vestires bem, ele te levará isso a mal, e, se te negligenciares, ele chamará isso baixeza de coração. A tua alegria terá ele por dissolução e a tua mortificação por ânimo carrancudo; e, olhando-te sempre com maus olhos, jamais lhe poderás agradar.

As nossas imperfeições ele considera pecados, os nossos pecados veniais ele julga mortais, e malícias, as nossas enfermidades; de sorte que, assim como a caridade, na expressão de São Paulo, é benigna, o mundo é maligno.

A caridade nunca pensa mal de ninguém e o mundo o pensa sempre de toda sorte de pessoas; e, não podendo acusar as nossas ações, condena ao menos nossas intenções. Enfim, tenham os carneiros chifres ou não, sejam pretos ou brancos, o lobo sempre os há de tragar, se puder.

Procedamos como quisermos, o mundo sempre nos fará guerra. Se nos demorarmos um pouco mais no confessionário, perguntará o que temos tanto que dizer; e, se saímos depressa, comentará que não contamos tudo. Espreitará todas as nossas ações e, por uma palavra um pouco menos branda, dirá que somos insuportáveis. Chamará avareza o cuidado por nossos negócios, e idiotismo a nossa mansidão. Mas, quanto aos filhos do século, sua cólera é generosidade; sua avareza, sábia economia; e suas maneiras livres, honesto passatempo. É bem verdade que as aranhas sempre estragam o trabalho das abelhas!

Abandonemos este mundo cego, Filoteia; grite ele quanto quiser, como uma coruja para inquietar os passarinhos do dia. Sejamos firmes em nossos propósitos, invariáveis em nossas resoluções e a constância mostrará que a nossa devoção é séria e sincera. Os cometas e os planetas parecem ter o mesmo brilho; mas os cometas, que são corpos passageiros, desaparecem em breve, ao passo que os planetas brilham continuamente. Do mesmo modo muito se parece a hipocrisia com a virtude sólida e só se distingue porque aquela não tem constância e se dissipa como a fumaça, ao passo que esta é firme e constante.

Demais, para assegurar os começos de nossa devoção, é muito bom sofrer desprezos e censuras injustas por sua causa; deste modo nós nos premunimos contra a vaidade e o orgulho, que são como as parteiras do Egito, às quais o infernal Faraó mandou matar os filhos varões dos judeus no mesmo dia de seu nascimento. Enfim, nós estamos crucificados para o mundo e o mundo deve ser crucificado para nós. Ele nos toma por loucos; consideremo-lo como um insensato.

São Francisco de Sales. Filoteia: Introdução à Vida Devota.  Petrópolis: Vozes, 2008. Ps. 363-367

 

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