Santo Afonso de Ligório: É extremamente grave o pecado do padre, porque peca com pleno conhecimento


01.07.2015 -

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É extremamente grave o pecado do padre, porque peca com pleno conhecimento: sabem bem o mal que faz. Ensina Santo Tomás que o pecado dos fiéis é mais grave que o dos infiéis, precisamente porque os fiéis conhecem melhor a verdade; ora, as luzes dum simples fiel são bem inferiores às de um sacerdote. O padre é tão instruído na lei de Deus, que a ensina aos outros: Porque os lábios do sacerdote hão de guardar a ciência, e é da sua boca que os outros aprenderão a lei.

É muito grave o pecado de quem conhece a lei, porque de nenhum modo pode desculpar-se com a ignorância. Pecam os pobres seculares, mas no meio das trevas do mundo, afastados dos sacramentos, pouco instruídos nas coisas espirituais, envolvidos nos negócios do século. Como apenas têm um fraco conhecimento de Deus, não vêem bem o mal que fazem, pecando: sagittant in obscuro, — arremessam as suas frechas na obscuridade como diz Davi.

Os padres ao contrário estão cheios de luz, pois eles mesmo são os luzeiros destinados a alumiar os outros: Vós sois o luz do mundo. Sem dúvida, devem os padres estar muito instruídos, depois de terem lido tantos livros, ouvido tantos sermões, feito tantas meditações e recebido dos seus superiores tantos avisos! Numa palavra, foi-lhes dado conhecer a fundo os divinos mistérios. Sabem pois perfeitamente quanto Deus merece ser servido e amado, conhecem a malícia do pecado mortal, que é um inimigo tão contrário a Deus que, se Deus pudesse ser aniquilado, o seria por um só pecado mortal, como ensina S. Bernardo: “O pecado tende a destruir a divina bondade”; e noutro lugar: “O pecado, quanto lhe é possível, aniquila a Deus”. Diz o autor da Obra imperfeita que o pecador, tanto quanto depende da sua vontade, faz morrer Deus”.

De fato, ajunta o Pe. Medina, o pecado mortal tanto desonra e desagrada a Deus que, se Deus fosse susceptível de tristeza, o pecado o faria morrer de pura dor. Tudo isso sabe o padre muito bem, e conhece por igual a obrigação em que está, como padre, cumulado de benefícios de Deus, de o servir e amar. Assim, diz S. Gregório, quanto melhor vê a enormidade da injúria que faz a Deus, pecando, mais grave é o seu pecado. Todo o pecado da parte do padre é um pecado de malícia, semelhante ao dos anjos, que pecaram na presença da luz. É ele o anjo do Senhor, diz S. Bernardo, falando do padre, e de certo modo peca no Céu, pecando no estado eclesiástico. Peca no meio da luz, o que faz que o seu pecado, como fica dito, seja um pecado de malícia: não pode pois alegar ignorância, porque sabe que mal é o pecado mortal; também não pode alegar fraqueza, porque conhece os recursos para se tornar forte, se quiser valer-se deles. Se o não quer, a culpa é sua: Não quis entender para praticar o bem. Pecado de malícia, diz Sta. Teresa, é aquele a que o pecador se decide cientemente; e afirma noutro lugar que todo o pecado de malícia é pecado contra o Espírito Santo.

Ora, da boca do Senhor sabemos que o pecado contra o Espírito Santo não será perdoado, nem na vida presente, nem na futura; quer dizer, um tal pecado será de mui difícil perdão, por causa da cegueira que o pecado de malícia traz consigo. Pregado na cruz, rogou o nosso Salvador pelos seus perseguidores: Pai, perdoai-lhes, porque não sabem o que fazem. Mas esta oração não aproveitou para os maus padres; foi antes a sua sentença de condenação, porque os padres sabem o que fazem. Nas suas lamentações, exclamava Jeremias: Como se embaciou o ouro, como perdeu o seu brilho? Esse ouro embaciado é precisamente, diz o cardeal Hugues, o sacerdote pecador, que devia luzir com todo o brilho do amor divino, mas pelo pecado se tornou escuro, horrível, objeto de horror para o próprio inferno, e mais odioso aos olhos de Deus que todos os outros pecadores. Diz S. João Crisóstomo que nunca Deus é tão ofendido como quando os que o ultrajam estão revestidos da dignidade sacerdotal. O que agrava a malícia do pecado no padre é a ingratidão de que se torna culpado para com Deus, que o elevou a funções tão sublimes. Santo Tomás ensina que a enormidade do pecado aumenta à medida da ingratidão de quem o comete. Nenhumas ofensas, diz S. Basílio, nos ferem tanto, como as que nos são feitas por nossos amigos e parentes. Os padres são chamados por S. Cirilo — Dei intimi familiares. A que dignidade mais alta poderia Deus erguer a um homem, do que fazê-lo sacerdote? Passai revista a todas as honras e dignidades, diz Sto. Efrém, e vereis que não há nenhuma que não seja eclipsada pelo sacerdócio. Que honra maior, que nobreza mais assinalada, que ser constituído vigário de Jesus Cristo, seu coadjutor, santificador das almas e ministro dos sacramentos? Dispensadores regiae domus: é assim que S. Próspero chama aos padres. Escolheu o Senhor o padre do meio de tantos outros homens, para ser ministro seu, e para lhe oferecer em sacrifício o seu próprio Filho.

Escolheu-o entre todos os homens viadores para oferecer o sacrifício a Deus. Deu-lhe poder sobre o corpo de Jesus Cristo; depôs nas suas mãos as chaves do Paraíso; elevou-o acima de todos os reis da terra e de todos os anjos do Céu; numa palavra, fê-lo um Deus na terra. Que mais poderia eu fazer à minha vinha que não tenha feito? Não parece que estas palavras são dirigidas unicamente ao padre? Depois disso, que monstruosa ingratidão, quando esse padre, tão amado de Deus, o ofende na sua própria casa, como o mesmo Deus se lamenta pela boca de Jeremias. A este pensamento, exclama S. Bernardo com gemidos: Ai, Senhor, os que têm a vanguarda na vossa Igreja são os primeiros a perseguir-vos! Ao que parece, é ainda dos maus padres que se queixa o Senhor, quando convida o Céu e a terra para testemunhas da ingratidão, que os seus filhos usam com ele: Ó céus, escutai, ó terra, presta ouvidos… criei filhos, cumulei-os de honras, e eles desprezaram-me! De fato, que filhos poderiam ser esses senão os padres, que Deus elevou a tão alta dignidade, e com a sua carne alimentou à sua mesa, e que depois ousaram desprezar o seu amor e a sua graça?

É ainda desta ingratidão que se lamenta quando diz pela boca de Davi: Se o meu inimigo tivesse falado mal de mim, eu o teria sofrido… mas tu que eras como que metade da minha alma, tu, um dos chefes do meu povo, meu amigo íntimo, que partilhavas das delícias da minha mesa! Sim, o Salvador parece dizer: se um inimigo, quer dizer um idólatra, um herege, um mundano, me ofendesse, eu o suportaria, mas como poder sofrer que me ultrajes tu, sacerdote, meu amigo, meu comensal? É o que Jeremias deplora igualmente, exclamando: Os que se alimentavam delicadamente… que se tinham nutrido na púrpura, abraçaram a podridão. Que miséria, que horror, diz o Profeta! O que se alimentava duma iguaria celeste e se revestia de púrpura, ei-lo coberto com os andrajos do pecado, a nutrir-se de lodo e estrume!

A Selva – Santo Afonso

Fonte: Dominus Est

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Nota de www.rainhamaria.com.br

Lembrando o artigo publicado em 24.02.2010

Santo Afonso de Ligório: Um padre tíbio mais desonra do que honra a Deus

“O empenho com que os demônios trabalham na nossa ruína, deve excitar o nosso zelo, em assegurarmos a salvação. Ó, como esses inimigos terríveis porfiam em perder um padre! Ambicionam com mais ardor a perda dum padre, que a de cem seculares, não só porque a vitória alcançada sobre um padre é para eles um triunfo mais brilhante, mas porque um padre na sua queda arrasta muitos outros desgraçados para o abismo.”- Santo Afonso de Ligório, A Selva - O mal da tibieza no Padre, III

Dirá talvez o padre tíbio: basta-me que não cometa pecados mortais e que me salve. — Basta que vos salveis? Não, responde Sto. Agostinho: visto que sois padre, estais obrigado a trilhar o caminho estreito da perfeição; se seguirdes pela via larga da tibieza, não vos salvareis. “Se dizeis: Basta, estais perdido”. Segundo S. Gregório, quem é chamado a salvar-se como santo, e quer salvar-se como imperfeito, não se salvará. Foi precisamente o que o Senhor fez ouvir um dia à bem-aventurada Angela de Foligno, falando-lhe assim: “Aqueles a quem dou luzes para caminharem na via da perfeição, e degradam a sua alma, querendo seguir pela via comum, serão abandonados em mim”.

Como vimos acima, é certo que o sacerdote é obrigado a tornar-se santo, quer pela sua qualidade de amigo e ministro de Deus, quer em razão das funções augustas que exerce, não só quando oferece o sacrifício da missa, mas quando se apresenta como mediador dos homens, diante da sua divina majestade, e quando santifica as almas mediante os sacramentos; porque é para o fazer caminhar na perfeição que o Senhor o cumula de graças e socorros especiais. Em presença disto, quando ele quer exercer com negligência o seu ministério, no meio de defeitos e faltas sem número, que não pensa em detestar, provoca a maldição de Deus: “Maldito o que faz a obra de Deus com negligência”. Esta maldição significa o abandono de Deus, diz Sto. Ambrósio. Costuma o Senhor abandonar essas almas que, depois de terem sido mais favorecidas com as suas graças, não cuidam de atingir a perfeição a que são chamadas. Quer Deus que os seus ministros o sirvam com o fervor dos serafins, escreve um autor; de contrário, há de retirar-lhes as suas graças e permitir que adormeçam na tibieza, para dali caírem primeiro no abismo do pecado, e depois no do inferno.

O padre tíbio, acabrunhado sob o peso de tantas faltas veniais e de tantas afeições desordenadas, permanece como que mergulhado num estado de insensibilidade. As graças recebidas e as obrigações do sacerdócio já o não tocam; por isso o Senhor na sua justiça o privará dos socorros abundantes, que lhe seriam moralmente necessários, para se desempenhar os deveres do seu estado. Assim irá de mal a pior; cada dia aumentarão os seus defeitos e também a sua cegueira. Havia Deus de prodigalizar as suas graças a quem se mostra avaro com ele? Não, diz o Apóstolo: “quem pouco semeia, pouco colhe”.

Declarou o Senhor que aumentará os seus favores aos que lhe testemunham reconhecimento e conservam as suas graças, mas tirará aos ingratos o que primeiro lhes tinha dado.

Noutra parte diz que, o senhor da vinha, quando não tira fruto dela, trata de a confiar a outros vinhateiros, e castiga os primeiros. Depois ajunta: “Por isso vos declaro que o reino de Deus vos será tirado, para ser dado a uma nação que colha fruto dele”. Significa que Deus tirará do mundo o padre tíbio, ao qual havia confiado o cuidado do seu reino, isto é, que tinha encarregado de trabalhar na sua glória, e que dará esse encargo a outros, que lhe sejam reconhecidos e fiéis.

Deve procurar-se na tibieza a razão por que muitos padres colhem pouco fruto, de tantos sacrifícios que oferecem a Deus, de tantas comunhões que fazem, e de tantas orações que recitam no Ofício e na Missa. “Semeastes muito e colhestes pouco… e o que tinha recebido o salário do seu trabalho, lançou-o num saco roto”. Tal é o padre tíbio: os seus exercícios espirituais lança-os ele todos num saco furado, quer dizer que não lhe resta nenhum merecimento; antes, ao fazê-los dum modo tão defeituoso se torna digno de castigo. Não, o padre que vive na tibieza não está longe da sua perda. Segundo Pedro de Blois, deve o coração do padre ser um altar em que não cesse de arder o fogo do amor divino. Mas que sinal de amor ardente dá a Deus esse padre, que se contenta com evitar os pecados mortais e não teme desagradar a Deus com as faltas veniais? Como observa o Pe. Alvarez de Paz, o sinal que dá é antes o de um amor bem tíbio.

Para fazer um bom padre não bastam apenas graças comuns e pouco numerosas; requerem-se graças muito especiais e abundantes. Ora, como quereria Deus prodigalizar os seus favores a quem se pôs a seu serviço, e depois o serve mal? Santo Inácio de Loyola chamou um dia um irmão leigo da sua Companhia, que passava uma vida muito tíbia, e falou-lhe assim: “Dize-me, irmão meu, que vieste fazer à religião?” Ele respondeu-lhe: “Vim para servir a Deus”. “Ah, meu irmão, replicou o Santo, que disseste? Se me tivesses respondido que foi para servir um cardeal, um príncipe da terra, terias mais desculpa; mas, visto que vistes para servir a Deus, — é assim que o serves?

Todo o sacerdote entra na corte, não dum príncipe da terra, mas noutra muito mais alta, — a dos amigos de Deus, onde se tratam continuamente e em confidência os negócios mais importantes para a glória da soberana Majestade. Donde procede que um padre tíbio mais desonra do que honra a Deus; porque dá a entender, pela sua conduta negligente e cheia de defeitos, que o Senhor não merece ser servido e amado com mais diligência; que, procurando agradar-lhe, não encontra prêmio que o faça bastante feliz; e que a sua divina Majestade não é digna dum amor tal, que nos obrigue a preferir a sua glória a todas as nossas satisfações.

Santo Afonso de Ligório, A Selva
O mal da tibieza no Padre, II

 


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