A tragédia do suicídio juvenil: O desejo de tirar a própria vida encontra na era digital uma nova forma de se propagar


25.04.2017 -

Silenciosa e repentina. Assim foi a morte da adolescente Maria de Fátima da Silva Oliveira, de 16 anos, na cidade de Vila Rica, a 800 quilômetros de Cuiabá, Mato Grosso (Brasil). Eram 3h30 da terça-feira, 11, quando a jovem começou a caminhar pelas ruas do bairro Inconfidentes. Ao notarem o sumiço da garota, os pais mobilizaram vizinhos e a polícia local para encontrá-la. Mas a principal informação para localizar a menina viria do namorado. Na delegacia, ele revelou que ela gostaria de morrer afogada. As equipes de buscas foram, então, enviadas para uma lagoa na região central da cidade. Às 14 horas, os policiais retiraram o corpo de Maria de Fátima do fundo da represa. ‘O mundo desabou sobre nós’, disse à ISTOÉ Raimundo Oliveira, pai da jovem. O caso, que está sob investigação, é um dos que se espalharam pelo país, motivado pela participação de jovens no jogo de automutilação Baleia Azul.

INDÍCIOS - A jovem Maria de Fátima, 16 anos, apresentou irritabilidade antes de cometer suicídio na lagoa de Vila Rica (MT). No detalhe, desenhos de baleia feitos à faca marcam corpos dos participantes do jogo.

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O drama do suicídio de crianças e jovens no Brasil também veio à tona com a morte de um casal no hotel de luxo Maksoud Plaza, em São Paulo. A estudante Kaena Novaes Maciel, de 18 anos, encontrada morta no domingo 16 com o namorado Luis Fernando Hauy Kafrune, de 19 anos, teria assistido à série 13 Reasons Why, lançada há menos de um mês na Netflix, – que tem como tema a trama de uma garota de 17 anos que se mata após ser vítima de bullying, assédio e estupro na escola. Apesar disso, o problema continua negligenciado para boa parte da população.

‘Trata-se de uma questão de saúde que precisa ser trabalhada: a sociedade precisa produzir uma narrativa de valorização da vida e não apenas espalhar o pânico’, afirma Thiago Tavares, presidente da ONG Safer Net.

Nos últimos dias, uma sequência de suicídios vem ocorrendo em diferentes cidades do país. Além do Mato Grosso, foram registrados casos semelhantes no Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Paraíba e Paraná. Segundo o secretário de saúde de Curitiba, João Carlos Baracho, ocorreram oito tentativas na cidade, todas com sinais de automutilação e cinco com ingestão de medicamentos. ‘Foram quatro ocorrências na mesma noite, fugiu completamente do padrão’, diz. Em todos os estados, as mortes estão associadas ao jogo da Baleia Azul, que consiste em 50 desafios diários enviados pelas redes sociais por um curador. As tarefas vão desde atividades simples, como desenhar uma baleia em um papel ou assistir sozinho a um filme de terror, até coisas mais agressivas, como cortar os lábios e perfurar a palma da mão. Quando deixa de cumprir as ordens, o participante é ameaçado pelo administrador. Na etapa final, o jogador deve se matar. No Mato Grosso, o delegado André Rigonato afirma que Maria de Fátima deixou cartas com uma lista do que deveria fazer, atividades como se despedir de amigos e apagar mensagens no celular. ‘Ela tinha cortes pelo corpo e vinha agindo de forma diferente’, diz. Até agora, as autoridades não apontaram responsáveis pelos crimes.

Jovens de São Paulo se matam em hotel de luxo e polícia investiga pacto de morte. Luís Fernando teria atirado na namorada Kaena e se suicidado em seguida.

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Causas do problema

Na medida em que eclode o assunto do suicídio, do qual pouco se fala, seja pela dificuldade em lidar com o tema, seja pelo medo de que possa desencadear novos casos, surge a dúvida: por que um jovem tiraria a própria vida? Fala-se sobre a crise da adolescência ou sobre uma possível tentativa de chamar a atenção. As causas, porém, são mais complexas do que julgamentos levianos. Podem ter relação com possíveis quadros psiquiátricos, como depressão e bipolaridade. ‘Cerca de 97% das pessoas que se suicidam têm algum transtorno mental’, afirma o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, superintendente técnico da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Estão, ainda, ligadas ao grau de desenvolvimento referente a essa etapa da vida. ‘Não há maturidade emocional e neurofisiológica nem bagagem para lidar com algumas experiências’, diz Neury José Botega, especialista em prevenção ao suicídio, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e assessor da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a psicóloga e suicidologista Karen Scavacini, o cérebro só termina de se desenvolver aos 21 anos. Isso faz com que haja dificuldade em distinguir e encarar as emoções. ‘Há um comportamento mais impulsivo e agressivo e a busca por satisfação a curto prazo.’

‘O jogo começou como uma notícia falsa que ganhou força na Rússia e nos EUA e se propagou pelo mundo, baseado na exploração de quem possui vulnerabilidade emocional’ - Thiago Tavares, presidente da Safer Net Brasil.

Desde que encontrou nas plataformas digitais meios para a rápida propagação, o suicídio adquiriu novas proporções. No jogo Baleia Azul, por exemplo, capturam-se facilmente pessoas com certa vulnerabilidade emocional em fóruns e grupos de internet. ‘Há jovens com depressão, passando por dificuldades, até curiosos que entram e podem ou não dar conta do que acontecerá’, afirma Karen. Os jogos têm um grande poder de envolvimento, sobretudo, para aqueles que sentem não pertencer a nenhum lugar. Nesse caso, caracteriza-se como crime de indução ao suicídio. A morte do casal no hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, também ganhou repercussão por revelar um possível pacto de morte. Segundo o delegado Gilmar Pasquini Contrera, titular do 5º Distrito Policial, Luis Fernando teria atirado em Kaena, com a arma que pertencia ao padrasto dela, e em seguida se suicidado. Foram apreendidos celulares, diários, agendas e papéis dos estudantes com menções ao suicídio.

A polêmica série da Netflix - Por que o seriado ‘13 Reasons Why’ pode contribuir, segundo psiquiatras, com o aumento dos casos de suicídio entre jovens.

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Nas últimas semanas, a série ‘13 Reasons Why’, que tem como história central a vida de Hannah Baker, uma garota de 17 anos que decide se matar após ser vítima de bullying, isolamento, assédio sexual e estupro na escola em que estuda, vem gerando preocupação e crítica de especialistas. ‘Pessoas em situação de risco deveriam ser desencorajadas a assistir a série’, afirmou Luís Fernando Tófoli, psiquiatra da Unicamp. ‘Há um consenso de que o fenômeno sofre contágio pela mídia e de que há maneiras pelas quais ele não deva ser retratado.’ Isso porque, no seriado, é revelada a forma como a jovem tira a própria vida e, além disso, ela grava 13 fitas explicando as razões e apontando as pessoas que a levaram a praticar o ato.

Ameaça e prevenção

A segurança A. P., 39 anos, de Lages (SC), vivenciou a experiência de ter o filho de 15 ameaçado. O rapaz entrou em uma página de Facebook sobre o jogo e, depois, migrou para um grupo de Whatsapp. Logo que começou a receber as ordens, passou a apresentar mudanças de comportamento. Quando soube do envolvimento do menino com o Baleia Azul, ouviu dele que, se não se matasse, algo de ruim iria acontecer com ela. Internado depois de duas tentativas de suicídio por intoxicação, o jovem se recupera acompanhado da mãe, ainda preocupada com o futuro. ‘Minhas mãos estão geladas, tenho medo do que possa acontecer.’ Para ela, o ponto principal da discussão não é o jogo, mas a necessidade de os pais prestarem atenção na vida das crianças. ‘Outros jogos virão. O que devemos é cuidar dos nossos filhos, levar a um psiquiatra, se for preciso. Só isso conseguirá evitar novas mortes.’ O conselho da coordenadora do colégio Mater Dei, em São Paulo, Erica Mantonvani, aos pais que a procuram para pedir orientação sobre a disseminação do jogo Baleia Azul é ‘deixem a porta aberta.’ Ela se refere a um canal de diálogo com os filhos sobre o tema, sem fugir de assuntos, por mais espinhosos que sejam. ‘O que afasta nossos adolescentes das coisas perigosas é a informação. Temos a falsa ideia de que, se falarmos muito, podemos aguçar a curiosidade. Pelo contrário, vamos protegê-los.’

Drama silencioso - O tabu em torno do suicídio esconde um alto crescimento de casos entre jovens de 10 a 19 anos

40% Foi a taxa de crescimento de casos de suicídio no Brasil em 10 anos na faixa de 10 a 14 anos
33,5% Foi o aumento do índice entre adolescentes de 15 a 19 anos
434 Tentativas de suicídio, em média, acontecem por dia no Brasil
2 Jovens brasileiros até 18 anos tiram a vida, em média, por dia no mundo o que dizem as pesquisas
7,3% De todas as mortes de jovens são decorrentes de suicídio, atrás somente de acidentes de trânsito e à frente do número de mortes por Aids
90%  Das pessoas de 15 a 24 anos que se matam têm algum problema mental ou de comportamento, como depressão ou ansiedade
4 Em cada 5 jovens que tentam se suicidar dão sinais claros do que pretendem fazer

Perceba os sinais

Crianças e adolescentes podem dar indícios de que precisam de ajuda. Não significa necessariamente que eles vão cometer suicídio, mas mostra a necessidade de se abrir um canal de diálogo. Pais, professores e amigos devem ficar atentos se o jovem:

Apresentar mudanças em sua personalidade

Agir de maneira muito ansiosa e agitada ou se mostrar deprimido

Tiver uma queda no desempenho escolar

Perder interesse em atividades que sempre gostou de realizar

Se isolar, se afastar da família e dos amigos

Fazer comentários autodepreciativos frequentemente

Se mostrar desesperançoso sobre o futuro, falar da vida de maneira sempre negativa

Falar sobre a morte, sobre pessoas que morreram, mostrar interesse no assunto

Falar de maneira clara ou implícita que tem vontade de morrer

Como ajudar

Chame o jovem para um lugar tranquilo e calmo e pergunte o que ele está sentindo

Tente não fazer julgamentos e cobranças ou dar conselhos que se baseiem na sua própria experiência. Não diminua o problema dele

Se a conversa se desenrolar, é importante perguntar se ele já pensou em suicídio

Conduza a pessoa na busca por ajuda profissional. Ela pode não conseguir tomar essa iniciativa sozinha, então é importante marcar uma consulta e se oferecer para acompanhá-la

Autores: Camila Brandalise e Fabíola Perez

Fonte: http://istoe.com.br/tragedia-suicidio-juvenil

Visto em: www.mulhervestidadesol.com.br

 

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