Artigo de Everth Queiroz Oliveira: Diálogo ecumênico com o espiritismo?


 18.06.2009 - [Extraído do livro "Espiritismo - orientação para católicos", do Frei Boaventura Kloppenburg; disponível para download aqui]

O Vaticano II nos explica que por “movimento ecumênico” se entendem iniciativas e atividades que visam à união dos cristãos (Unitatis Redintegratio, n. 4b). Um verdadeiro movimento ou diálogo ecumênico só é possível com aquelas Igrejas ou comunidades cristãs separadas da comunhão católica que efetivamente dão esperanças positivas de chegar outra vez à comunhão plena. Mas o espiritismo não é uma Igreja separada, nem mesmo pretende ser Igreja. Não somente não há nenhuma esperança de conseguir algum dia “comunhão plena” com os reencarnacionistas, mas semelhante comunhão não é nem sequer pensável. (…) o reencarnacionismo não é cristão e (…) seus postulados fundamentais se opõem total e absolutamente à soteriologia cristã. E mesmo que se proclamassem cristãos, seria necessário dizer-lhes que em verdade não o são.

Em sua declaração oficial de 2 de janeiro de 1978, a Federação Espírita Brasileira, que é kardecista, fez saber que “é imprópria, ilegítima e abusiva a designação de espíritas adotada por pessoas, tendas, núcleos, terreiros, centros, grupos, associações e outras entidades que, mesmo quando legalmente autorizados a usar o título, não praticam a doutrina espírita”, isto é, “o conjunto de princípios básicos codificados por Allan Kardec”. Pela mesma lógica se pode afirmar também que é imprópria, ilegítima e abusiva a designação de cristãos adotada por pessoas, centros, terreiros ou outras entidades que, mesmo quando legalmente autorizados a usar o título, não praticam a doutrina cristã.

Colocados pastoralmente diante dos movimentos espíritas (ou outros, que não faltam entre nós), é necessário que nos perguntemos honradamente qual é nosso objetivo. Temos dois campos bem diferentes: de um lado estão os sectários com seus métodos proselitistas, procurando penetrar no ambiente católico; de outro lado temos os próprios católicos mais ou menos facilmente vítimas desta propaganda sectária. A quem queremos dirigir-nos pastoralmente: aos propagadores da evocação e da reencarnação ou aos fiéis cat6licos vítimas deste assalto? Do objetivo dependerá nosso método. Se não definimos previamente e com clareza a meta, ou se pretendemos alcançar uns e outros, animados com a benévola atitude de compreensão, de abertura e de diálogo com relação aos agressores, teremos uma ação pastoral híbrida, que produzirá nos fautores do erro grande alegria (pois lhes deixamos abertas todas as portas e ainda abrimos outras) e nos católicos um estado de confusão, desorientação e perplexidade ainda maior.

Desde o Concílio se insistiu muito no diálogo com os não-cat6licos. Esta disposição de diálogo com os responsáveis do movimento espírita não deve jamais olvidar que sua ativa presença entre nossos fiéis tem um objetivo claro e definido, que certamente não é o de ajudar-nos a conseguir que sejam melhores cristãos católicos. O Documento de Puebla constata que “muitas seitas se têm mostrado clara e pertinazmente não só anti-católicas, mas até injustas contra a Igreja, e têm procurado minar seus membros menos esclarecidos. Devemos confessar com humildade que, em grande parte, até em determinados setores da Igreja, uma falsa interpretação do pluralismo religioso permitiu a propagação de doutrinas errôneas e discutíveis” (n. 80).

Por estes motivos nossa atitude pastoral há de dirigir-se em primeiro lugar diretamente às vítimas da propaganda espírita. Não podemos esquecer o grave fato da presença ativa, com claros propósitos proselitistas, daquilo que o Senhor chamou “falsos profetas”. Tem-se a impressão de que entre os mesmos pastores católicos já não há ambiente para recordar palavras como estas de Jesus: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7,15-16). Ou estas: “Então, se alguém vos disser: ‘Olha o Messias aqui’, ou ‘ali’, não creiais. Pois hão de surgir falsos messias e falsos profetas, que apresentarão grandes sinais e prodígios, de modo a enganar até mesmo os eleitos, se possível. Eis que vo-lo predisse” (Mt 24,23-25). Daí a posterior advertência do Apóstolo: “Sede solícitos por vós mesmos e por todo o rebanho… Eu sei que, depois de minha partida, introduzir-se-ão entre vós lobos cruéis que não pouparão o rebanho, e que no meio de vós surgirão homens que farão discursos perversos com a finalidade de arrastar discípulos atrás de si” (At 20,28-30; ci. 2Ts 2,3-4; 2Pd 2,1-3 e todo o capo 13 do Ap). “Quem não entra pela porta do redil das ovelhas, mas sobe por outro lugar, é ladrão e assaltante” (10 10,1).

Não nego o alcance e o valor positivo do diálogo. Haverá situações concretas e objetivos pastorais que pedem dar absoluta preferência ao método e à atitude do diálogo: no verdadeiro ecumenismo, quando há esperanças positivas de chegar a uma plena comunhão, o diálogo será a via indispensável. Mas pode haver também situações concretas de defesa e de apologética: é precisamente o estado dos católicos indefesos, não suficientemente instruídos e preparados, constantemente molestados por importunos e falsos profetas disfarçados como cristãos. O binômio apologética-diálogo não deve ser proposto em forma disjuntiva, “ou apologética ou diálogo”, mas na forma conjuntiva, “e apologética e diálogo”. Apologética será a atitude pastoral com os crentes vítimas da invasão das seitas; diálogo será a atitude pastoral com os não-católicos desejosos de encontrar a unidade perdida mandada pelo Senhor. Quando a situação do agressivo proselitismo sectário nos obriga a recorrer ao método apologético ou defensivo, será também inevitável a polêmica: diante da necessária atitude de defesa, o sectário reaciona; e esta reação pede muitas vezes resposta esclarecedora ou retificadora. Temos então a polêmica. Encontramo-la em Cristo, nos Apóstolos e nos melhores Santos Padres e Doutores da Igreja. “Este serviço dos pastores inclui o direito e o dever de corrigir e decidir, com a clareza e a firmeza que sejam necessários” (Puebla n. 249). “Em algumas ocasiões, falta a oportuna intervenção magisterial e profética do bispo, bem como maior coerência colegial” (ib. n. 678). O silêncio e a atitude de tolerância, por vezes, pode ser um pecado de omissão e ter como conseqüência uma grei desatendida e dispersa. Devemos ser pastores. Pastores vigilantes. “O bom pastor dá a sua vida por suas ovelhas. O mercenário que não é pastor, a quem não pertencem as ovelhas, vê o lobo aproximar-se, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa” (10 10,11-12). No Apocalipse 2,13-16 diz o Senhor ao responsável da comunidade de Pérgamo: “Sei onde moras: é onde está o trono de Satanás. Tu, porém, seguras firmemente o meu nome, pois não renegaste a minha fé, nem mesmo nos dias de Antipas, minha testemunha fiel, que foi morto junto a vós, onde Satanás habita. Tenho, contudo, algumas reprovações a fazer: tens aí pessoas que seguem a doutrina de Balaão, o qual ensinava Balaq a lançar uma pedra de tropeço aos filhos de Israel, para que comessem das carnes sacrificadas aos ídolos e se prostituíssem. Do mesmo modo tens, também tu, pessoas que seguem a doutrina dos nicolaítas. Converte-te, pois! Do contrário, virei logo contra ti para combatê-los com a espada de minha boca“.

É certo que no Brasil o espiritismo não é nosso único problema religioso. Infelizmente. Mas continua válida a constatação feita pelos bispos em 1953: que, no momento, o espiritismo ainda é o desvio doutrinário “mais perigoso”, já que “nega não apenas uma ou outra verdade de nossa santa fé, mas todas elas, tendo, no entanto, a cautela de dizer-se cristão, de modo a deixar, a católicos menos avisados, a impressão erradíssima de ser possível conciliar catolicismo com espiritismo“.

No Documento de Puebla os bispos latino-americanos sabem da existência, entre nós, de movimentos para-religiosos que aceitam uma realidade superior (”espíritos”) com a qual pretendem comunicar-se para obter ajuda e normas de vida (n. 1105), procurando entrar em ‘contato pessoal com aquele mundo da transcendência e do espiritual a fim de receber respostas para as necessidades concretas do homem (n. 1112). Pedem então os bispos que as comunidades católicas recebam informação e orientação sobre estes movimentos, particularmente acerca das “distorções que eles contêm para a vivência da fé cristã” (n. 1124).

Como ontem, também hoje é necessário oferecer aos fiéis os subsídios de que precisam para que possam cumprir aquele dever que o Concílio lhes recordava de defender com coragem a fé contra os erros que ameaçam inverter profundamente a vida cristã. Numerosos bispos, padres e leigos em apostolado me pediram esta ajuda. Não seria tão difícil: já escrevera tanto sobre o assunto. E como tudo está esgotado, sinto-me desimpedido para escolher e retomar o que me parece mais conveniente para a situação atual.

Com total desembaraço retomo antigos textos meus sem colocá-los entre aspas nem indicar sua origem. No Brasil de 1986, o espiritismo é exatamente igual que em 1960, quando publiquei a primeira edição de O espiritismo no Brasil. Refiro-me ao espiritismo de Kardec, porque no de umbanda houve complicações. A Federação Espírita Brasileira, tutora do kardecismo, lança hoje as mesmas obras de ontem, tendo-se tomado apenas mais intransigente com relação à umbanda. É, como diria Roger Bastide, um exemplo típico de religião em conserva. Entrementes, na França, donde nos veio o kardecismo no século passado, houve mudanças essenciais, com um desfeche inesperado: em 1976 a Revue Spirite, fundada por Allan Kardec em 1858, mudou o título para Renaitre 2000. E a “Union Spirite Française” passou a ser “Union des Sociétés francophones pour I’investigation psychique et I’étude de Ia survivance” (USFIPES). Como se vê, a pr6pria palavra “espírita” foi banida. A inconcussa convicção de Allan Kardec acerca da sobrevivência se transformou em problema a ser ainda investigado. Eles lá, hoje, não concordam com a orientação que o espiritismo tomou no Brasil: “Inteiramente estagnado”, preocupado “com o aspecto extraordinário dos fenômenos espíritas” e “com a moral evangélica e a caridade”. Eles lá pretendem continuar a obra “como queria Allan Kardec”, isto é: desvinculada de Cristo e da religião, para fazer apenas pesquisas psíquicas e estudar se de fato há sobrevivência. Começam agora por onde Allan Kardec deveria ter iniciado em 1855.

Fonte: http://beinbetter.wordpress.com


Rainha Maria - Todos os direitos reservados
É autorizada a divulgação de matérias desde que seja informada a fonte.
https://www.rainhamaria.com.br

PluGzOne