Artigo do Padre José do Vale: Povo, Protesto e Politica


02.07.2013 - “Esse artigo foi escrito especialmente para os poderes, Executivo, Legislativo e Judiciário”.

          Nestes dias de povo na rua protestando contra a corrupção, a violência e agressão à dignidade da pessoa humana, é recomendável a leitura do livro “Massa e Poder”, do búlgaro Elias Canetti (1905-1994). Um trecho do livro: “Uma aparição tão enigmática quanto universal é a massa que surge repentinamente onde antes não havia coisa alguma. (...) Nada foi anunciado, nada era esperado. Repentinamente, tudo está cheio de gente. De todos os lados pessoas começam a afluir como se todas as ruas tivessem uma única direção”. Esse célebre pensador da psicologia do fascismo diz: “Na multidão, o indivíduo não tem rosto e ganha coragem para projetar suas frustrações e ressentimentos. O próprio indivíduo tem a sensação de que, na massa, ele ultrapassa as fronteiras de sua pessoa”.
        

Para Kathleen Heide, especialista em criminalidade juvenil da Universidade do Sul da Flórida-EUA, explosões súbitas de violência geram um efeito manada de identificação com a causa e adoção de atitudes de risco. Quanto maior o número de pessoas envolvidas num ataque, menores as chances de prisão:
– As pessoas fazem numa multidão coisas que jamais fariam sozinhas. Essa mentalidade de aglomeração está ligada a ações como invadir e saquear lojas, atear fogo a carros, comportamentos destrutivos que impactam os vizinhos e a comunidade. Não são escolhas planejadas, são frenesis de emoção, de ação em conjunto.
         A modernidade foi racional e cientificista e a nossa pós-modernidade é emocional, comocional, e infelizmente boçal. Dentro desse contexto, tudo pode acontecer no mais alto grau de conflitos bandalhas.
         Já dizia a sentença latina: “Vulgus vult décipe”. – “O povo quer ser enganado”. O historiador alemão Henrik Eberle, autor do best-seller “O Livro de Hitler” (traduzido para 30 idiomas), é um incansável pesquisador do movimento social que deu origem ao fenômeno nazista. E ele é implacável com os seus conterrâneos. Afirma que o “maquinário da morte” arquitetado por Hitler jamais teria existido se não fosse “a fanatização da população, que mobilizou forças destrutivas de dimensões gigantescas”.
        

Dr. Eberle teve acesso a esse material epistolar que se encontrava em Moscou e o reproduz agora com ineditismo em seu novo livro, “Cartas para Hitler” (Ed. Planeta), que analisa a trajetória do ditador a partir desses escritos. São mais de 30 mil cartas, sendo os anos de 1934, 1938 e 1939 prolíficos – mesmo após a invasão da Polônia, festejada em bilhetes e felicitações de fim de ano. É o caso do gerente de uma fábrica de meias que escreve prometendo “lealdade inquebrantável e trabalho incansável em sua obra”. E dos versos enviados em 1941, durante a guerra, por autor anônimo: “Se todo povo tivesse um führer assim, como a Providência nos enviou, como esta Terra seria agradável, como todos seriam felizes”!
         Se refirindo a América Latina, o historiador mexicano Enrique Krauze, autor do livro “O Poder e o Delírio”, adverte que nossos povos são muito propensos à adoração de figuras históricas e religiosas. Na verdade, não é só o nosso continente, e sim o mundo inteiro. O terrível é a conexão do fanatismo religioso com a política didatorial. Temos vários exemplos: no Oriente Médio, os xiitas, parte da Índia com os hindus, Afeganistão, com os Talibás e a carnificina do Nazismo (ocultismo e racismo) na Alemanha de Hitler.
         “Cada geração precisa estar alerta aos perigos que ameaçam a democracia tão diretamente quanto cada ser humano que deseje ser bom precisa aprender a como sobreviver nos labirintos da inveja, ganância e das confusões do julgamento moral”. “A confiança na capacidade da autoridade para lidar com questões importantes nunca esteve tão minada”, escreveu Norman Mailer.
         Desde a publicação de “Os Nus e os Mortos” em 1948, Mailer é uma das figuras mais influentes da literatura americana. Nasceu em 1923, em Nova Jersey, e desde a estréia não parou mais, com dois prêmios Pulitzer e um National-Book. Em mais de 30 livros.
        

Faz-se necessário o povo protestar, unido e organizado, conectado com as instituições para mudanças radicais em prol do bem de toda sociedade. Não tem cabimento conviver com a pobreza, violência, corrupção, exclusão e discriminação. Chega, basta, a mudança é agora e para sempre. Vamos lutar por um mundo mais digno, justo, pacífico e fraterno.
         Dizia o Papa Paulo VI que “a participação no processo político é uma forma nobre de viver o comportamento cristão” (Octogésima adveniens n. 46).

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Instituto de Teologia Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
E-mail: [email protected]

PARA SUA REFLEXÃO: 453 é o número de municípios em situação de extrema pobreza em todo o País.

AS CONTAS DE 2014: Depois da confirmação do Brasil como país-sede, em 2007, o governo e a CBF afirmaram que a Copa consumiria pouco dinheiro público, mas a realidade é muito diferente. O anúncio do Ministério do Esporte de que os custos com o torneio chegarão a 28 bilhões de reais – mais até que os 25,5 bilhões anotados nas planilhas mais recentes. Desse total, mais de 80% veio de cofres alimentados com impostos do cidadão (Veja, 26/06/2013, pp. 80 3 81). “O povo foi enganado”. Até quando???

 


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