31.01.2014 - O satélite Aqua, da NASA, não deixou passar: tem uma mancha escura gigantesca, de cerca de 800 km de extensão, rondando uma faixa litorânea que desce do Rio de Janeiro até Santa Catarina. A imagem, capturada no último dia 19, mostra um aglomerado de microorganismos provavelmente da espécie Myrionecta rubra, um protista ciliado que vive de fotossíntese, depois de sequestrar cloroplastos de algas.
- Esse fenômeno já foi registrado em São Paulo no final dos anos 1990. Ele só acontece quando a temperatura da água está alta e o ar está calmo, com pouco vento. Assim, a espécie consegue se reproduzir e se acumular - explica Paulo Cesar Abreu, professor do Instituto de Oceanografia da Fundação Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Furg).
De acordo com Abreu, pesquisadores de São Paulo estão coletando amostras para confirmar se o fenômeno é causado, de fato, pelos pequenos Myrionecta rubra, que não representam - até onde se sabe - perigo para animais marinhos nem humanos. Ainda assim, Abreu lembra que as mesmas condições que favorecem o aparecimento desses animais também podem trazer um vilão conhecido dos gaúchos: a cianobactéria, que produz toxinas.
- A temperatura do Atlântico Sul está muito acima do normal (chegando agora aos 30°C, número extremo para a época do ano), e isso pode levar à formação dessa mancha. Esses aumentos acontecem em todo o mundo e têm sido registrados principalmente na última década - alerta o professor, apontando para a relação direta entre a temperatura e o efeito estufa.
- Os efeitos não são apenas o aumento da temperatura. Invernos intensos são registrados agora no hemisfério norte, o que também faz parte dos modelos: o efeito estufa desequilibra todo o sistema, e acho que não há mais dúvidas de que existe influência humana sobre a temperatura dos oceanos - afirma, amparado pelas conclusões do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, que aponta que as chances de o homem ter influência sobre o aquecimento global são de 95% e que esse aquecimento migrou recentemente dos continentes para as águas oceânicas.
De acordo com o oceanógrafo, os ciclones extratropicais nos litorais gaúcho e catarinense podem ser consequências que acompanham essas mudanças climáticas.
- Os registros que temos são bastante recentes, então esses fenômenos podem ter ocorrido outras vezes na história. Mas, no caso da temperatura, há dados que mostram recordes na última década, e não há dúvida de que isso está relacionado à emissão de gases do efeito estufa - diz Abreu.
O professor considera a possibilidade de a mancha "descer" para as praias do Rio Grande do Sul, mas destaca que as condições climáticas são diferentes.
- Não observamos formações com essa densidade, nunca vimos uma concentração como a que tem ali. Pode descer, até porque a corrente vem de norte para sul, mas essa mancha pode se desmanchar de uma hora para outra e, mais importante, ainda não confirmamos a espécie. Se for mesmo o que imaginamos, mesmo que venha para cá, não causará problema nenhum - indica.
Visto de perto, um aglomerado de Myrionecta rubra tem coloração vermelha, mas aparece escuro na imagem de satélite devido à absorção de luz por parte do oceano (essas pequenas criaturas costumam nadar um metro ou dois abaixo da superfície).
Fonte: Jornal Zero Hora RS
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