Texto do Padre Afonso Rodrigues: Igreja e Revelações Particulatres


02.08.2008 - Nós todos, desde pequeninos, aprendemos no 3o. Catecismo de S. Pio X que a Revelação Pública e Oficial, à qual devemos Fé Teológica, se encerrou com a morte do último apóstolo.

Mas há Revelações Particulares.

Não são oficiais. Damo-lhes, livremente, fé humana.

São, na maioria, inspirações divinas; às vezes, precognições.

As inspirações divinas têm a mesma mecânica que as inspirações humanas no campo da matemática ou da poesia. Porque a Graça é uma perfeição da natureza, que se comporta como ato seu, sujeitando-se às leis da substância em que é recebido. Como se processa, pois o caso da criação mental? A imaginação criadora é vivificada pela inteligência portadora de uma inspiração. Esta inspiração reorganiza, de modo original e atualizado, os dados da Revelação Pública contidos na sacratíssima Bíblia e na Tradição Apostólica.

É uma apresentação genial do Depósito da Revelação Pública construída no cérebro de um cristão geralmente fervoroso e santo. Reveste-se ela, assim, de uma unção viva e de uma eficácia nova.

A inspiração divina é produto dos Dons do Espírito Santo e dos Carismas de que cada um de nós está investido, por obra e graça do santo batismo. Daí que, todos e cada um de nós, temos nossas comunicações de Deus, nossas inspirações do Espírito Santo, nossas intuições acertadas, nossas revelações particulares. Estas experiências do Espírito Santo, que são em nós o princípio da vida da graça, brotam em nós, segundo S. Paulo, da inabitação divina que santifica o coração, a mente e o ser todo, em Cristo.

Manifestação do Espírito, energias e dinamismos de santidade, os carismas são expressões divinas em que Deus fala em nós. Este profetismo, de que fala S. Paulo (I Cor 14), como aperfeiçoamento do profetismo do Velho Testamento é um carisma, função eclesial permanente.

A tradição da Igreja, que conserva o Depósito da Revelação através dos séculos, é sacralizada e vivificada por este carisma profético.

De fato, os Santos Padres, os Doutores da Igreja, são os portadores oficiais da Doutrina Católica. Numa tese de doutorado, citar a convergência das opiniões dos Santos Padres ou dos Doutores da Igreja é provar a tese. Santo Agostinho e São Tomás, São João da Cruz e Santa Teresa de Jesus, Santo Afonso Maria de Ligório ou Santa Catarina de Sena, quando se pronunciam, nós os ouvimos como manifestações do Espírito, como expressões divinas da Verdade Revelada.

Que há contra Revelações Particulares?

Segundo S. Paulo (I Cor 14), a efervescência emocional dos carismas é algo inquietante. O carismático pode amaldiçoar a Cristo. As manifestações dos cristãos de Corinto, agitadas e clamorosas, lembravam a mística pagã das sibilas e dos áugures, das pitonisas e dos êxtases dionisíacos. Temos, pois, que a Revelação Particular pode ser efeito de carisma diabólico, como no caso dos falsos profetas de que fala a Bíblia. Uma 'Revelação' pode ser de origem natural, como uma inspiração genial no campo religioso ou profano. Pode ser de origem diabólica, estabelecendo a cisão e a anarquia, contrariando o Depósito da Fé. E pode ser de origem divina, quando a graça, participação da natureza divina, atua dentro dos esquemas operacionais da mente a que nós chamamos Dons do Espírito Santo.

As Revelações Particulares entram em desprestígio porque elas aparecem como raiz de todas as heresias. O misticismo falso marca os gnósticos e outros hereges a que se refere S. João no Apocalipse e na sua 1a. Carta, Cap. II vers. 18 e seguintes.

As inspirações particulares geraram os hussitas, os quietistas e outros que se separaram da comum doutrina da Igreja. O Protestantismo veio na atmosfera dos nominalistas e da interpretação privada da santa Bíblia. A heterodoxia é sempre fruto de um subjetivismo exagerado, ou de um individualismo que se opõe à Tradição Apostólica e à Sociedade instituída por Cristo, a Igreja fundada em Pedro (Mt 16).

O Livre Exame da Bíblia, sem a Tradição e sem a autoridade competente e oficial para interpretá-la, é o individualismo doentio e soberbo que criou o Protestantismo. Cristo fundou uma Sociedade, não um individualismo autônomo.

Entre as leis da personalização, temos duas complementares: a lei da Individualização e a lei da Socialização. Elas são dominantes em fases alternadas. Na fase da Individualização (três anos, quinze anos, dezoito anos), todos nós temos uma crise de autonomia que rejeita a sociedade instituída e as leis vigentes. Nestas quadras somos contestadores e protestamos contra o ambiente autoritário e as vigências comunitárias. Sentimos antipatia pelas fórmulas de fé, pelo esquema de valores em voga. Na fase da Socialização ressurge o senso comunitário. O anormal continua individualista.

Revelações Particulares em oposição ou contestação ao comum e ao comunitário, apresentam antíteses. É a heresia contra o Dogma.

O Particularismo das Revelações Privadas, contra a Tradição Pública e o Depósito estabelecido e conservado pela Comunidade cristã, apresenta-se como um perigo de cisma, de insubmissão e de subversão da Doutrina aprovada.

Por isto se explica o desprestígio das Revelações Particulares no meio do clero culto, afeito ao estudo das fontes da Revelação Pública.

Fatos significativos

Quando diretor dos Congregados Marianos, realizei, em 1947, um Congresso Nacional Fatimense. Ao apresentar o álbum do Congresso com os temas das conferências ao Núncio Apostólico de então, recebi dele a seguinte reprimenda:

"Não apele para Revelações Particulares, mas para os Santos Padres da Igreja."

Achei a atitude do Sr. Núncio muito normal.

Como jesuíta, em toda minha formação, Noviciado, Letras Clássicas, Filosofia e Teologia, nunca meus mestres citaram uma Revelação Particular. Argumentos de razão e de fé teologal eram as bases em que se sedimentavam nossas convicções.

Numa novena para a festa do Sagrado Coração, em que ouvíamos alocuções com os pontos para a meditação do dia seguinte, o Mestre dos Noviços não citou uma só vez Santa Margarida Maria.

Isto desgostou um colega meu que, deixando posteriormente a Companhia de Jesus, veio a ser ministro da Justiça de um dos nossos governos, há longos anos.

Nos nossos dias

Apoiado em revelações particulares, Clemente Domingues, de Palmar de Tróia, Sevilha, se fez ordenar e sagrar bispo contra as leis vigentes. Sagrou dezenas de bispos, nomeou cardeais e se instituiu papa, excomungando João Paulo II com todos os seus seguidores. Quem lê suas comunicações e decretos tem a impressão de um megalômano e paranóico.

(Ler no final um esclarecimento sobre quem foi Clemente Domingues)

 

A Sabedoria Cristã

Estes argumentos todos comovem fortemente os intelectuais. Os ascetas, isto é, os que têm o predomínio do conceitual sobre o conhecimento concreto, que vivem do raciocínio e não possuem o regime intuitivo em pleno vigor, estes tipos, digo, desprezam todas as Revelações Particulares e os fenômenos místicos como fantasmagoria de mentalidades doentias. Não acontece assim com o varão maduro em Cristo. Qualquer pessoa que chegou à maturidade, isto é, à síntese perfeita de todas as tendências, possui a harmonia e a convergência dos hábitos operativos contrastantes ou contrários. É por isso que Aristóteles afirma que a virtude está no meio, entre dois extremos viciosos.

Assim, é igualmente defeituoso acreditar demais nas Revelações Particulares como não acreditar suficientemente nelas.

As intuições são fontes de conhecimentos, como as conceituações categoriais o são também.

O saber autêntico e veraz acata a verdade, venha donde vier. Não é que a formação clerical seja errada. Mas é necessário uma complementação que nos ponha em contato real com a fonte de conhecimentos pré-categoriais, que são os sete Dons do Espírito Santo.

Quantos livros nascidos de uma espontaneidade criadora, que relatam as experiências íntimas de vivências ricas e profundas que não se moldam pelo raciocínio abstrato! O cérebro geométrico entende bem no campo da quantidade; mas nada compreende na área da qualidade e do psiquismo profundo.

Os diários íntimos de personalidades canonizadas, ou não, trazem uma riqueza imensa de valores humanos. Seria fruto de uma inteligência fechada para a verdade não colher as jóias destas minas de valores humanos.

A inspiração escriturística não prescinde do vocabulário e do linguajar do hagiógrafo; mas Deus não permite um erro na interpretação da mensagem divina, quando se trata da comunicação oficial e pública.

Com a inspiração mística e particular não sucede a mesma coisa. Deus se comunica no "fundo da alma", como se expressam os experimentados nestes fenômenos, os místicos. Isto significa que Deus nos fala na área anterior ao campo imaginativo, idiomático ou conceitual. Daí que o inspirado deverá traduzir para o idioma, para as conceituações e para as imagens o conteúdo da mensagem. Quem está afeito a traduzir documentos para outro idioma, experimenta a dificuldade na tarefa, porque as palavras não se correspondem, inteiramente, nas diversas línguas.

Daí que o depositário de uma experiência mística tenha a sensação de S. Paulo, que, na impossibilidade de se exprimir, fala de palavras inefáveis e fatos inenarráveis. Na magnífica galeria dos portadores de Revelações Particulares das "palavras de Jesus" notamos deficiências de expressão no linguajar peculiar de cada um. Mesmo inexatidões. Numa filmagem colorida e sonora de longa-metragem, veiculando experiências interessantes para o ser humano, podemos perdoar as deficiências técnicas e colher aquilo que é útil (I Tess 5,19).

Critérios de veracidade

Para discernirmos se os fenômenos místicos são de origem meramente humana, se de origem doentia, se de origem diabólica ou de origem divina, quais as normas que deveríamos usar?

As manifestações de origem demoníaca são marcadas pela soberba. As de origem doentia, pela falta de objetividade nos conhecimentos, pela deficiência da oblatividade e sociabilidade nos afetos e pela falta do senso do real e do realizável.

As de origem divina são organizações originais, belas ou harmoniosas do "Depósito da Revelação". Tudo o que não coincide com este Depósito é suspeito de interferências indébitas do próprio psiquismo, que se costuma chamar de "Coeficiente de Refração Pessoal".

A inspiração homérica, virgiliana ou camoniana trouxe para o equilíbrio das nossas faculdades uma certa distinção humana.

Cícero ou Demóstenes acarretam para a alma cristã certa nobreza, certa dignidade, que nos ajudam à vida divina da graça.

Muito mais os escritos dos místicos de virtude acrisolada, que nos apresentam as vivências evangélicas com calor e colorido imensamente humanos, são dignos do nosso acolhimento como pontos de meditação e como vivências divinas que merecem ser assimiladas.

Fonte: Livro Psicologia da Graça,   Pe. Afonso Rodrigues, S.J. (Ed. Loyola)

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Nota do site Rainha Maria, www.rainhamaria.com.br

Sobre Clemente Domingues, de Palmar de Tróia, Sevilha, que se fez ordenar e sagrar bispo contra as leis vigentes.  (enfim um rebelde)

Sua história começa em 1968, com as pretensas aparições de Nossa Senhora em Palmar de Troya, na Região de Sevilha, Espanha. Aparições sempre rejeitadas pela Igreja. Clemente Dominguez, nascido em 1946, a partir de 1969 começou a freqüentar o lugar das aparições, e depois de algum tempo fazia parte do grupo de videntes. Pretendia ter recebido dons místicos, entre eles os estigmas (numa ocasião teria vertido 16 litros de sangue (!) que depois se comprovou não era seu). As mensagens recebidas (hoje, diante de outras que andam por aí, vemos que eram nada originais) falavam da corrupção da Igreja, da sua infiltração pelo comunismo e pela maçonaria.

Numa página oficial de uma dissidência da •igreja católica palmariana, podemos ler: •Através das mensagens em El Palmar, o Céu revelou que a Igreja de Roma foi infiltrada pelos inimigos que foram identificados como marxistas e francos-maçons e cujo objetivo era substituir ao verdadeiro culto católico pelo culto da Nova Ordem. Eles chegaram às posições mais altas da Igreja, assegurando que a conquista da Igreja fosse completa quando morresse o Papa Paulo VI, para que um deles pudesse colocar-se na Cátedra de Pedro. A profecia de Nossa Senhora em La Salette (1846) se cumpriu: Roma cairá e se converterá na Sede do Anticristo.

Os inimigos introduziram mudanças devastadoras na Igreja. No ensino da doutrina, dissimularam-se muitas verdades indiscutíveis da fé ou foram negadas...
Temos até um toque de romance policial: •As mensagens de Palmar revelaram que o Papa Paulo VI era mártir do Vaticano, controlado através de drogas administradas a ele pelos inimigos da Igreja que o rodeavam e que instituíram várias mudanças destrutivas em seu nome, sem seu consentimento.
Nosso Senhor disse em Palmar: Eles não lhe permitem ao papa governar. A Igreja é governada pelas mãos infernais. A maçonaria e o comunismo estão bem infiltrados no Vaticano, rodeando e martirizando a meu queridíssimo Paulo VI.
Por ocasião da morte de papa Paulo VI, a Igreja católica romana teria apostatado da verdadeira fé, e ter-se-ia cumprido a profecia de Nossa Senhora dada às crianças de La Salette em 1846: •Pouco a pouco a fé será destruída, inclusive em pessoas consagradas a Deus... Roma perderá a fé e converter-se-á na sede do Anticristo.
Pois bem, pelo fim de 1975, por ordem de Nossa Senhora, Clemente Dominguez criou uma nova ordem religiosa. Em janeiro de 1976, ele e mais quatro homens foram ordenados padres por D. Ngo Dinh Thuc, ex-arcebispo de Hue, no Vietnã do Sul. Dez dias depois foram ordenados bispos pelo mesmo arcebispo. Alegavam que, a partir do rito de 1968, não se conservaria na Igreja a sucessão apostólica, a menos que cuidassem de sua continuação legítima. Nesse mesmo ano de 1976, num desastre de carro, Clemente perdeu ambos os olhos.

No dia da morte de Paulo VI, 6 de agosto de 1978, Clemente, que tinha assumido o nome de padre Fernando, teve uma visão que lhe comunicou a morte do papa. Nesse mesmo dia Nosso Senhor, pessoalmente, o elegeu papa com o nome de Gregório XVII, eleição confirmada por seus cardeais. Foi solenemente coroado e transferiu a sede de Pedro para Palmar de Troya.
A •igreja palmariana• acredita que o mundo acabará em 2015, não antes, porém, de seu papa ir para Jerusalém, onde será crucificado.
Gregório XVII fez inúmeras beatificações e canonizações. Entre os santos proclamados estão o caudilho Franco e várias outras personalidades.
De 30 de março de 1980 a 12 de outubro de 1992 realizou-se o •Santo, Magno e Dogmático concílio Palmariano, que redigiu um extenso •Credo de Palmar•, contendo também as novas definições dogmáticas de Gregório XVII. Quanto à autoridade do papa, além de outras coisas, diz o Credo Palmariano: Creio e confesso que o Papa, como Vigário de Cristo, Rei do Universo, possui o Supremo Poder no espiritual e no temporal, por direito divino, e plena potestade como Soberano, sendo dono, administrador e distribuidor de todas as terras. Essa plenitude de poderes é representada pelas duas chaves.• Em 1990 foram levantadas sérias acusações contra Clemente Dominguez; em 1997 pediu perdão à comunidade. Muitos seguidores permaneceram fiéis a ele e a seu sucessor por ele mesmo indicado. Outros não acreditaram em sua sinceridade nem aceitaram que nomeasse um sucessor. Em fins de 2000, dezessete de seus bispos e umas centenas de fiéis deixaram a Igreja Palmariana criando uma dissidência.


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