Maré impiedosa de fome global atinge 1 bilhão (de famintos)


07.04.2009 - Um tsunami foi a imagem escolhida para descrever o golpe da crise dos alimentos do ano passado. A situação atual lembra mais o aumento lento e impiedoso de uma maré, gradualmente arrastando mais e mais pessoas para as fileiras dos desnutridos.

Quase despercebida por trás da crise econômica, uma combinação de crescimento mais baixo, aumento do desemprego e queda das remessas de dinheiro com preços persistentemente altos dos alimentos elevou o número dos cronicamente famintos pela primeira vez acima de 1 bilhão.

O aumento reverteu o declínio ao longo do último quarto de século na proporção das pessoas cronicamente famintas do mundo. "Nós ainda não saímos da crise dos alimentos", disse Josette Sheeran, chefe do Programa Mundial de Alimentos da ONU, em Roma, que precisa de cerca de US$ 6 bilhões neste ano para alimentar os mais pobres, um aumento de 20% em comparação ao recorde de US$ 5 bilhões do ano passado.

"O impacto dos altos preços do ano passado continua. Além disso, os países agora sofrem uma perda de renda devido à crise financeira global", ela acrescentou, repetindo a visão de outras autoridades e especialistas entrevistados pelo "Financial Times".

Kanayo Nwanze, o novo presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento da Agricultura da ONU, alertou que os migrantes estão voltando das cidades para o interior em grande número, criando pressão extra.

"Haverá mais bocas para alimentar com pouca ou nenhuma comida", ele disse.

A crise está se expandindo para fora da África à medida que a recessão econômica se soma ao impacto dos altos preços. Países que tinham pouco problema com alimentos por quase 20 anos, como Quirguistão, agora estão pedindo ajuda.

O pior ainda está por vir, à medida que o impacto da recessão sobre o poder aquisitivo se tornar mais evidente e o custo dos alimentos permanecer alto, disseram autoridades, executivos do setor e especialistas.

Robert Paarlberg, professor de ciência política do Wellesley College, nos Estados Unidos, e um respeitado especialista em agricultura, disse estar "mais preocupado com a fome do que com a atual crise econômica" do que estava "no pico do aumento dos preços das commodities alimentares em meados do ano passado".

Peter Brabeck, presidente da gigante alimentícia Nestlé, também acha que a crise está piorando.

"Não esqueça que os preços dos alimentos estão no momento cerca de 60% mais altos do que estavam há 18 meses. E isso significa que as pessoas que gastam 60%, 70% de sua renda disponível em alimentos, foram atingidas muito, muito fortemente", ele disse.

Os alertas ocorrem apesar dos preços globais das commodities agrícolas terem caído acentuadamente em comparação às altas recordes do ano passado. Entre os itens básicos, o preço do milho, trigo e arroz caíram quase pela metade. Todavia, Allan Buckwell, professor emérito de economia agrícola do Imperial College, em Londres, disse que as commodities agrícolas voltaram ao patamar de meados de 2007.

"Os preços dos alimentos não caíram como os de outras commodities, como o petróleo", ele disse.

Além disso, os preços estão bem acima de sua média dos últimos 10 anos, com alguns sendo negociados ao dobro do nível de 1998-2008, apesar da queda.

Por exemplo, o custo atual do arroz tailandês, o referencial mundial, a US$ 614 a tonelada, representa mais que o dobro de sua média dos últimos 10 anos, de US$ 290 a tonelada. Além disso, os preços domésticos dos alimentos em muitos países em desenvolvimento, particularmente na África sub-Saara, não caíram nem um pouco e, em alguns casos, estão subindo de novo por causa do impacto da safra ruim e da falta de crédito para importações.

Sheeran aponta precisamente para este problema: "Os preços locais estão subindo. Por exemplo, o preço do milho em Maláui subiu 100% no ano passado, enquanto os preços do trigo no Afeganistão estão 67% mais altos do que há um ano".

Agravando o panorama, os produtores rurais de todo o mundo estão plantando menos, reduzindo assim a produção deste ano, potencialmente ajudando a manter os preços dos alimentos em alta, apesar da demanda fraca em consequência da crise econômica.

Nos Estados Unidos, o maior exportador de commodities agrícolas do mundo, os produtores rurais deverão quebrar os cinco anos de expansão de terras cultivadas, reduzindo a área em 7 milhões de acres, a maior queda em 20 anos. Em outros lugares, a preocupação é que os produtores rurais carentes de dinheiro, particularmente em países fontes de alimentos como Ucrânia, Argentina e Brasil, reduzirão seu uso de sementes híbridas de alta produtividade e fertilizantes, prejudicando assim a safra.

O principal cenário de pesadelo entre as autoridades de agricultura e ajuda alimentar -e para o setor de alimentos- é que uma onda inesperada de tempo ruim prejudique a próxima safra. Com os estoques de commodities agrícolas em baixas de múltiplos anos, isso poderia provocar uma elevação dos preços, provocando outra crise além da econômica.

Fonte: UOL notícias

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Lembrando...

Caritas Italiana adverte para o risco de fome Mundial

15.04.2008 - Roma - "Superamos o limiar de alarme e os pobres começam a rebelar-se. É preciso intervir agora, imediatamente, para não desperdiçar todos os resultados obtidos até agora na luta contra a fome no mundo." É o que afirma a Caritas italiana a propósito do alarme lançado pelo Banco Mundial sobre o aumento dos preços dos bens de primeira necessidade nos países do sul do mundo.

"É necessário fazer frente à emergência; do contrário, as revoltas aumentarão", afirma Paolo Beccegato, responsável da área internacional da Caritas italiana. Segundo ele, as pessoas que dependem das ajudas humanitárias correm realmente o risco de morrer de fome, já que os depósitos alimentícios estão diminuindo.

Diante dessa situação, Beccegato considera fundamental disponibilizar ajudas econômicas imediatas e políticas de soberania alimentar e de desenvolvimento a longo e médio prazos.

A respeito, interveio o arcebispo de Cidade da Guatemala e primaz da Igreja guatemalteca, card. Rodolfo Quezada Toruño.

"É preciso que todos os setores da sociedade demonstrem a vontade de mudar a situação para evitar graves conseqüências", disse o cardeal referindo-se ao aumento dos preços alimentícios e dos combustíveis, que também no país mais populoso da America Central estão agravando as condições de pobreza na qual se encontra 60% da população.

"Os preços aumentam, mas os salários permanecem estáveis. Sem uma solução imediata, podemos chegar a uma crise social", advertiu o purpurado em coletiva de imprensa depois da missa dominical.

No domingo à noite, o presidente da Guatemala, Alvaro Colom, anunciou um plano de emergência, afirmando que "a incapacidade dos governos precedentes de prever uma crise semelhante tornou os guatemaltecos vulneráveis".

Colom anunciou a criação de um "fundo de solidariedade", em que o governo invistirá cerca de 122 milhões de euros para o desenvolvimento agrícola e a assistência às famílias mais pobres. (BF)

Fonte: Rádio Vaticano

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Lembrando...

Profecia de catástrofe alimentar ainda pode se realizar

30.12.2007 - Fatos extraordinários estão acontecendo no mercado mundial de alimentos. O preço do trigo, da soja, do milho e de laticínios mais que duplicou nos últimos anos, enquanto a demanda superou a oferta pela primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial. Por quê? A população mundial está crescendo, mas não em um ritmo acelerado. No entanto, milhões de pessoas pobres, especialmente na China, hoje podem comprar carne, e a produção de proteína animal exige muito mais insumos por quilo do que a de vegetais. O cidadão chinês médio come 30% mais carne hoje do que cinco anos atrás. Em segundo lugar, houve uma série de colheitas fracas ao redor do mundo. E terceiro, muitos países ocidentais estão subsidiando os agricultores para trocar o plantio de alimentos por colheitas de energia renovável.

Mais de 200 anos atrás, o demógrafo e economista político britânico Thomas Malthus afirmou que a população superaria a oferta de alimento e que se não houvesse limites rígidos à reprodução humana o mundo rumaria para um desastre. Até agora ele se mostrou totalmente enganado; a população mundial aumentou dez vezes e há menos fome do que em sua época. Mas a população global provavelmente crescerá de 6,5 bilhões para 9 bilhões até 2050, o que exigirá que os agricultores do mundo produzam mais alimento nos próximos 40 anos do que nos últimos 200. As previsões malthusianas estiveram erradas durante 200 anos, mas poderão se mostrar válidas nos próximos 50.

Depois da Segunda Guerra Mundial, os governos europeus readotaram políticas protecionistas para aumentar a produção interna de alimentos. Mais tarde, a Política Agrícola Comum introduziu barreiras protecionistas e grandes subsídios, encorajando os agricultores europeus a produzir muito mais que o necessário. Nos últimos 20 anos, uma série de medidas foram adotadas para reduzir as cotas de produtividade, e há uma "reserva" compulsória para tirar terra arável da produção. Mesmo assim, a produção tendeu a superar a demanda, deprimindo os preços e reforçando ainda mais os subsídios.

Esse problema foi exacerbado pelo impacto da inovação científica e tecnológica na produtividade agrícola nos últimos 60 anos. A produtividade - por hectare, por vaca leiteira, por porco - triplicou. Os avanços em herbicidas, pesticidas e antibióticos conseguiram controlar a maioria das doenças animais e vegetais e também os predadores. Novas técnicas notáveis por meio de hibridação melhoraram a produtividade de plantas e animais. Aplicações químicas encurtaram e enrijeceram o caule das plantas, permitindo que elas absorvam mais fertilizante e suportem climas inclementes.

A revolução tecnológica foi ainda mais dramática. Depois da guerra, o cavalo ainda era a principal fonte de energia agrícola na Europa. Hoje, são o trator e a colheitadeira mista.

Esses avanços transformaram a produtividade agrícola. Máquinas de alta velocidade resultam em colheitas mais curtas e rápidas, com menos alimento perdido para a intempérie. Uma área maior de terra é usada em agricultura. Ao mesmo tempo, há necessidade de menos pessoas para lidar com esses enormes aumentos de produção. Sessenta anos atrás, uma fazenda arável de 350 hectares podia empregar 40 pessoas. Hoje meu filho administra uma fazenda desse tamanho com apenas mais uma pessoa.

Em conseqüência disso tudo, apesar de a população mundial ter triplicado durante a minha vida, o mundo está mais bem-alimentado do que nunca. Quando ainda ocorre escassez, como na África, a fome surge por causa de fracassos logísticos e políticos. Há alimento disponível, mas ele está no lugar errado.

A população global continuará crescendo. As economias dos países mais pobres também vão prosperar, o que resultará em pessoas mais bem-alimentadas e comendo carne. A demanda por alimentos aumentará entre 50% e 100%, dependendo da escala da mudança de consumo vegetariano para carnívoro. A mudança climática vai distorcer os padrões do tempo com desvantagem para a maioria dos agricultores, mas aqueles no norte temperado e rico poderão se beneficiar. E, finalmente, muitos governos continuam comprometidos com um grande aumento da energia renovável a partir de vegetais.

Nos últimos 200 anos, foi possível suprir as crescentes demandas por alimentos colocando mais terra em produção. Mas hoje estima-se que só existam mais 5% de terra disponível para esse fim. A produção alimentar absorve 70% da chuva que cai sobre o solo. Devido à mudança climática, o suprimento de chuva se tornará mais volátil, com mais enchentes e secas, ambas as quais dificultam a vida dos agricultores.

Se os agricultores do mundo não conseguirem suprir a demanda de alimentos, haverá sérias conseqüências econômicas e políticas. A inflação alimentar poderá ameaçar o crescimento econômico e a escassez alimentar poderia criar instabilidade política no mundo em desenvolvimento. A liberalização do comércio global, que foi um fator chave para reduzir as tensões políticas internacionais, poderá ser revertida se os países decidirem proteger seus suprimentos internos de alimentos. Os países mais pobres poderão se tornar dependentes demais dos alimentos das zonas temperadas mais afluentes, nos EUA e na Europa, o que por sua vez exacerbaria os problemas de escassez de mão-de-obra nessas regiões, resultando em novas migrações polêmicas.

Para evitar essa catástrofe malthusiana, várias coisas precisam acontecer. Como antes, a inovação científica e tecnológica será chave, mas desta vez a tarefa não é cultivar mais terra, e sim melhorar substancialmente a produtividade da terra já cultivada. Mas, no Ocidente, os grupos ambientalistas resistem a essa inovação, notadamente, mas não exclusivamente, com relação às modificações genéticas.

A tese contra o uso irresponsável da ciência e da tecnologia não pode ser facilmente rejeitada, mas nos últimos anos os regulamentos foram reforçados e os cientistas reagiram à preocupação pública. Os ambientalistas devem reconhecer isto e preparar-se para fazer compromissos. A maneira mais rápida de realizar a terrível predição de Malthus seria que o mundo se tornasse totalmente orgânico.

Para que isso não ocorra, nós, como indivíduos, devemos parar de usar energia no ritmo em que o fazemos e de desperdiçar alimentos na medida em que o fazemos. Atualmente, desperdiçamos quase a metade do alimento que produzimos, jogando fora produtos perfeitamente bons em nossas cozinhas, restaurantes e lojas.

A agricultura atingiu um divisor de águas, e se as pessoas continuarem a se comportar de maneira egoísta ou irracional, as previsões malthusianas se realizarão. Prevê-se que depois de 2050 a população mundial deverá se estabilizar ou até declinar. Enquanto isso, devemos confiar na engenhosidade e no bom senso humanos para superarmos as dificuldades.

*Chris Haskins é fazendeiro e ex-presidente da Northern Food, uma indústria de alimentos britânica.

Fonte: UOL notícias
 


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