Novo estudo revela planos soviéticos para a Terceira Guerra Mundial


11.04.2010 - Os historiadores alemães estão divididos sobre a importância de um maciço "bunker" da era comunista na antiga Alemanha Oriental. Ele seria usado como posto de comando no caso de uma invasão soviética à Europa Ocidental? Hoje os pesquisadores acreditam que a Europa esteve mais perto do abismo nuclear do que se acreditava anteriormente.

Trafegando em caminhões totalmente fechados, uma equipe de construção militar sob o comando do Exército Nacional do Povo da Alemanha Oriental foi levada a uma remota área de floresta perto de Kossa, no estado da Saxônia, que na época fazia parte da Alemanha Oriental comunista. Eles não podiam ouvir nada, ver nada ou dizer nada - estavam ali só para trabalhar.

Primeiro os soldados montaram 6 km de cerca de aço e instalaram nela 6 mil volts de eletricidade. Os homens fizeram buracos profundos com escavadeiras e neles ergueram paredes de concreto. Depois a instalação subterrânea foi dotada de sistemas eletrônicos.

A fortaleza secreta foi concluída em 1979. Localizada no meio de um campo de arbustos, a instalação consistia em seis casamatas separadas que só podem ser vistas do ar, espalhadas por uma área de 75 hectares e construídas com portas de aço resistente a explosões e chuveiros de descontaminação.

Qualquer pessoa interessada em visitar as instalações hoje deveria usar botas de borracha. A estrada passa por espessas florestas de pinheiros e termina em um portão.

Olaf Strahlendorff, que é o diretor do Museu Militar de Kossa, sai de uma cabana pintada em camuflagem para cumprimentar os visitantes. "Olá", diz. "É daqui que os russos planejavam conduzir a Terceira Guerra Mundial."

Passando por câmaras de ar à prova de gás, o homem desce por uma escada estreita, onde se veem macacões protetores e dosímetros enferrujados. O ar está pesado, cheirando a madeira compensada mofada. Caminhões militares com antenas de satélite estão estacionados dentro de estruturas subterrâneas de 40 metros de comprimento, conhecidas como "tubos para veículos".

Até recentemente, a linha oficial era que essa instalação incomum serviu como abrigo para o comando territorial do Terceiro Distrito Militar do Exército Nacional do Povo, que teria cerca de 90 mil soldados sob seu comando em períodos de guerra.

Linha direta para Moscou
Mas diversos historiadores hoje suspeitam que ela tivesse outro objetivo. Por exemplo, Torsten Diedrich, do Instituto de Pesquisa Histórica Militar, sediado em Potsdam, atribui um papel muito maior à casamata - que as forças armadas alemãs, as Bundeswehr, talvez em uma medida míope, venderam para um taxidermista da África do Sul em 1993. "Kossa era um bunker de comando para o Pacto de Varsóvia", diz Diedrich.

No caso de hostilidades militares, 350 oficiais e oficiais subgraduados, juntamente com uma equipe completa de telecomunicações de 250 especialistas, poderiam ter-se servido nesse posto fortificado, semelhante a uma prisão, onde teriam comandado um exército de milhões rumando para a Europa Ocidental.

Ainda hoje há telefones empoeirados na casamata. Antenas subterrâneas se estendem sob o solo da floresta. O bunker tinha linhas diretas para Moscou. Usando estações de rádio troposféricas, eles poderiam enviar mensagens mesmo através de grandes clarões atômicos.

Mas isso teria sido suficiente para a batalha final? Alguns especialistas continuam céticos. "Eu acho um pouco pequeno demais para um centro de comando na linha de frente", diz o historiador do Bundeswehr Heiner Bröckermann.

Estruturas misteriosas
Por trás da controvérsia há um problema fundamental. Embora os filmes de Hollywood costumem retratar os rudes marechais soviéticos com os dedos prestes a apertar o botão vermelho, nenhum historiador contemporâneo pode dizer com qualquer grau de certeza onde se localizariam os postos de comando de uma guerra nuclear.

Quando os soviéticos se retiraram da antiga Alemanha Oriental, deixaram para trás um grande número de estruturas defensivas e campos de treinamento militar contaminados, mas ninguém sabe exatamente qual era o objetivo dessas instalações.

O que está claro, porém, é que no caso de uma guerra o líder alemão-oriental Erich Honecker teria se refugiado em Prenden, perto de Berlim, onde o Politburo tinha montado um vasto bunker fortificado, com uma cozinha completa e banheiro. Mas qual era o objetivo dos outros 1.200 bunkers da Alemanha Oriental?

Hoje em dia, caçadores de tesouros armados de detectores de metais ocasionalmente vasculham as câmaras subterrâneas mofadas. Algumas das estruturas desmoronaram ou estão cheias de água. Outras foram transformadas em museus.

Cogumelos já brotaram no posto de comando de Kreien. Enquanto isso, em Mosel, perto de Zwickau, um antigo quartel-general do Exército Nacional do Povo hoje abriga uma instalação para testes de motores da Volkswagen. "Os arquivos russos continuarão selados por mais 70 anos", diz Diedrich, "e por isso não sabemos o suficiente para decifrar o objetivo desses prédios."

No entanto, pode-se deduzir um bocado sobre o formato geral dos cenários russos para uma guerra mundial entre os blocos oriental e ocidental.

Quando diversos arquivos foram abertos depois do fim da Guerra Fria, o mundo ficou sabendo que o exército soviético estava preparado para pegar o Ocidente de surpresa com um ataque decisivo. A Europa esteve mais perto do abismo nuclear do que muitos imaginavam.

É verdade que os planejadores militares do bloco oriental sempre trabalharam com base na suposição de que uma "agressão" viria da Otan. No entanto, teria bastado para os soviéticos descobrir evidências seguras de um ataque iminente para que o comando geral ordenasse um ataque nuclear preventivo.

Esse ataque foi planejado para ser rápido e surpreendente. "Eles estavam determinados a conduzir a guerra no território do adversário", diz o historiador contemporâneo Harald Nielsen.

Para se preparar para a eventualidade de um conflito militar em plena escala, os mais graduados militares de Moscou dividiram o mundo em 14 "teatr voiny" ("teatros de guerra"), que se estendiam do Extremo Oriente ao oceano Ártico.

O Kremlin previu os combates mais pesados na Europa Central. A região tem "importância econômica destacada e particularmente grandes reservas de pessoas", notou o ex-comandante e chefe do Pacto de Varsóvia Andrei Grechko.

Isto levou a aliança comunista a manter cem maciças divisões (aproximadamente 2 milhões de soldados) de prontidão para o "teatro de guerra ocidental". Somente no território da Alemanha Oriental os russos tinham 7 mil tanques, 6.500 transportes de pessoal blindados, 700 aviões e 31 depósitos de ogivas nucleares.

Procedimento rápido
No momento em que a ordem fosse emitida, tudo aconteceria extremamente rápido:

* No norte, o exército polonês deveria avançar e chegar à península da Jutlândia, perto da Dinamarca, em 6 dias;
* A frente sudoeste (reforçada por unidades checas) deveria marchar para o estado da Baviera, no sul da Alemanha;
* Caberia à "frente central", apoiada por divisões da Guarda Soviética, romper a fronteira em Helmstedt e avançar para a região do Ruhr e da Lorena na França.

Durante os primeiros 90 minutos, esse ataque por terra teria sido acompanhado de uma chuva de ogivas convencionais e nucleares destinadas a milhares de alvos predeterminados.

Instalações da Otan, aeroportos e centros de comunicações, gabinetes de governo, usinas de energia e cruzamentos de tráfego até o rio Reno seriam reduzidos a cinzas. Mapas de campanha do Pacto de Varsóvia hoje acessíveis têm círculos vermelhos sobre as cidades de Antuérpia, Amsterdã, Bremen, Cuxhaven, Emden e Munique.

"Rolo compressor"
Então os tanques seriam despachados. "Os soldados atacantes deveriam atingir as margens do Reno antes que qualquer um demonstrasse sintomas de radiação", diz o historiador polonês Pawel Piotrowski. O plano então era substituir essas tropas contaminadas por radiação por unidades do "Segundo Esquadrão Estratégico". As autoridades da Otan chamavam isto de "rolo compressor polonês-soviético".

Uma campanha tão colossal teria exigido uma sala de guerra - um centro nevrálgico para coordenar os vários exércitos, forças de ar e terra e brigadas de mísseis. Mas onde ele se localizava?

O que os historiadores sabem é que se uma grande guerra tivesse irrompido na década de 1970 o comandante em chefe das Forças Armadas Unidas do Pacto de Varsóvia, Leonid Brejnev, teria se deslocado para uma casamata perto de Moscou. É para lá que as linhas de comando teriam convergido.

Em Legnica, na Polônia, a 20 km a leste do rio Oder, que corre pela fronteira polonesa-alemã, foi localizado um posto avançado de comando que teria sido o quartel-general de coordenação de toda a Europa. Ao todo, 300 generais e 60 mil soldados estavam constantemente estacionados lá.

Esconderijo
Nesse posto de comando ficava longe demais, porém, para um ataque-relâmpago lutado na região entre os rios Elba e Reno. Além disso, documentos mostram que o comando operacional para esse grande assalto ao Ocidente ficaria nas mãos do alto comando das forças armadas soviéticas na Alemanha.

Os principais comandantes dessa unidade viviam em uma base militar em Wünsdorf, ao sul de Berlim, embora durante um estado de alerta reforçado eles teriam fugido imediatamente para outro local. O sigilo da base havia sido violado - a Otan a havia localizado.

Para onde teriam ido os principais oficiais? Que esconderijo teriam escolhido para uma guerra nuclear? Essa é a pergunta chave.

Hans-Albert Hoffmann, um ex-tenente-coronel do Exército Nacional do Povo, acha que sabe para onde eles teriam rumado. Ele supõe que o staff da frente, que incluía até mil oficiais, teria passado fugido discretamente durante a noite e rumado para "Möhlau ou Schwepnitz".

Os nomes representam duas instalações militares soviéticas que nunca foram usadas em tempo de paz e eram mantidas estritamente secretas. A instalação de Möhlau está fechada hoje, depois de ter sido demolida com explosivos. Schwepnitz - que nunca foi totalmente explorada - tem dois níveis subterrâneos e está inundada de água da chuva.

Falkenhagen, no estado alemão de Brandemburgo, é muitas vezes citado como o antigo centro de comando de guerra nuclear da Alemanha Oriental. Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas construíram uma usina química dentro do bunker de concreto.

Ideal para atacar o Ocidente
Hoje outro local chamou a atenção das pessoas: Kossa. "Sua localização geográfica teria tornado o bunker ideal para o grande ataque contra a Europa Ocidental", diz Strahlendorff. Além disso, a Otan nunca descobriu a instalação.

Outro fato que sustenta essa teoria é o de que Kossa estava praticamente lotado de material eletrônico para comunicações. A instalação tinha até um computador "mainframe" AP3, feito pela fábrica alemã-oriental Robotron. Tecnologia de vídeo sofisticada teria possibilitado enviar planos de batalha diretamente para a frente.

Mas ainda há dúvidas. Alguns especialistas dizem que a casamata na Saxônia é simplesmente pequena e desconfortável demais. Os banheiros parecem demasiado espartanos. "Um general jamais teria se sentado em um destes", diz Bröckermann. A construção também não tinha uma cozinha adequada: em uma emergência, a elite militar de Moscou teria de comer bolachas e carne enlatada.

Por outro lado, eles certamente não pretendiam usar o posto de comando por muito tempo. Segundo seus planos, os soviéticos pretendiam atingir o Reno em sete dias - e o Atlântico em 12.

Milhares de vítimas
Também há acordo sobre o fato de que na antiga Alemanha Oriental a instalação esteve plenamente operacional a todo momento. Uma equipe de 48 técnicos recrutados mantinha o equipamento, todas as salas aquecidas e garantia que a cerca elétrica estivesse ligada - o que representou um consumo elétrico anual de 345 mil kWh.

Todos esses esforços foram - felizmente - inúteis. O inferno nuclear nunca foi lançado.

No entanto, o bunker foi responsável por um grande número de vítimas - animais silvestres. Como explica Strahlendorff, "milhares de coelhos e cervos morreram na cerca elétrica".

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves  -  Fonte: UOL noticias

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Nota de  www.rainhamaria.com.br

Aumenta o risco do gatilho atômico Armas nucleares em poder de insanos

31.05.2009 - Terá chegado o momento de sentir saudade da segurança relativa da Guerra Fria? Naquele tempo sombrio, quando a humanidade segurava o fôlego diante da ameaça de aniquilação, pelo menos era possível acreditar que o gatilho nuclear estava em mãos inimigas responsáveis. O cenário atual é mais incerto e mais perigoso. Os dois únicos testes nucleares deste século foram realizados pela Coreia do Norte, uma ditadura tão enigmática quanto insana. O segundo deles, na segunda-feira passada, numa região montanhosa e inóspita no nordeste do país, reverberou como a confirmação de que a proliferação nuclear atingiu o patamar a partir do qual o perigo é imediato e urgente. Dois fatos principais justificam o alarme. A posse de um artefato atômico por um país isolado e pobre demonstra que o desenvolvimento desse tipo de armamento está ao alcance de qualquer nação disposta a investir os recursos necessários para fazê-lo. Se países miseráveis e com governos frágeis se armam com átomos, não está distante o momento em que o gatilho atômico cairá na mão do terrorismo. Um estudo da Universidade Stanford estimou a probabilidade de um ataque terrorista com o uso de bombas sujas (ou seja, explosivos comuns misturados a material radioativo) em 20%. Com bombas nucleares, cai para 1%. Qualquer estimativa acima de zero é um pesadelo quando se fala da combinação de terroristas e plutônio.

O mais notável fenômeno da era nuclear talvez seja o fato de que desde o ataque a Hiroshima e Nagasaki, em 1945, o último ano da II Guerra Mundial, nenhum país ousou detonar uma bomba atômica em combate. Os Estados Unidos tiveram o monopólio do átomo entre 1945 e 1949, mas não o usaram contra a União Soviética, apesar das provocações de Stalin. Também poderiam ter empregado esse recurso no Vietnã, onde a tonelagem de explosivos convencionais lançados equivaleu a dúzias de bombas como a de Hiroshima. Armas nucleares não foram usadas nem em situações desesperadas. A Casa Branca rejeitou os apelos nesse sentido do general Douglas MacArthur, que se viu impotente diante do avanço das divisões chinesas na Guerra da Coreia. O conflito terminou em 1953 no impasse que ainda hoje divide a península coreana entre dois inimigos mortais. É complicado explicar um evento que não ocorreu, mas é comum ouvir que o temor da aniquilação mútua conteve os ímpetos guerreiros dos Estados Unidos e da União Soviética. Porém isso não explica o comedimento em circunstâncias nas quais não havia o temor de retaliação, caso dos soviéticos no Afeganistão e dos americanos no Iraque.

O cientista político James Lee Ray, da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos, acredita que por trás desse fenômeno reside uma espécie de "progresso moral". Esses conceitos éticos obedeceriam aos mesmos padrões daqueles que determinaram a eliminação da escravidão no século XIX – e, que, até hoje, mantêm a repulsa à sujeição de seres humanos. Mesmo sem uma proibição formal do uso de armas nucleares, as sociedades desenvolveram uma aversão moral a esse armamento. "As considerações éticas ajudaram a evitar o uso de armas nucleares desde 1945, pelo menos no que diz respeito a países detentores de um arsenal nuclear contra outros desprovidos dos mesmos artefatos", disse Lee Ray a VEJA. Com o fim da Guerra Fria, os países civilizados que assinaram o Tratado de Não Proliferação Nuclear, em 1968 (Estados Unidos, Rússia, China, Inglaterra e França), reduziram seus arsenais atômicos. Desde 1986, o número de ogivas no planeta caiu de 70 000 para 25 000, das quais cerca de 8 000 são operacionais. Outros países desistiram da bomba. Esse cenário animador, infelizmente, está agora virado de cabeça para baixo.

O fim da Guerra Fria também fomentou o comércio ilegal e a proliferação de programas nucleares em países periféricos, politicamente conturbados, como o Paquistão, quando não governados por fanáticos, como o Irã. Com a bomba na mão desse tipo de país, o capítulo seguinte se torna totalmente imprevisível. "Eu não diria que o progresso moral eliminou as possibilidades de que países instáveis, como a Coreia de Kim Jong-Il, desencadeiem uma guerra nuclear. No caso desses estados, na verdade, nem sei se posso falar em progresso moral", diz Lee Ray. O ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-Il, é uma figurinha ridícula, que usa sapatos com salto plataforma para compensar a baixa estatura e um topete ouriçado no estilo de Elvis Presley. Mas não deve ser visto como irracional ou suicida. As negociações em torno do programa nuclear norte-coreano se repetem há anos. Em bom português, pode-se dizer que a Coreia do Norte se especializou em chantagem diplomática. Em alguns momentos, senta-se à mesa com os demais países e acena com a paralisação de seu programa nuclear. Em outros, abandona rispidamente os encontros – o último foi há dois meses –, lança mísseis e faz novas ameaças. Com essa estratégia, Kim Jong-Il conseguiu ampliar o recebimento de ajuda humanitária internacional, da qual depende um terço da população, combustível e algum dinheiro. "O ditador norte-coreano quer mostrar firmeza e enviar mensagem que possa render-lhe novas concessões", disse a VEJA Stephen Noerper, analista do Nautilus Institute, na Califórnia.

Por isso é difícil interpretar o acesso de fúria que tomou conta do governo de Pyongyang na semana passada. A escalada começou com o teste nuclear, subiu alguns tons com o disparo de meia dúzia de mísseis e se tornou estridente com o anúncio de que o país se retirava do acordo de armistício de 1953, que pôs fim à guerra. Em termos técnicos, está-se de volta ao tempo em que o general MacArthur queria vaporizar os comunistas. Desde a morte de Kim Il Sung, fundador e oficialmente presidente eterno, em 1994, não se via um comportamento tão errático da Coreia do Norte. Há explicações variadas, nenhuma delas tranquilizadora. A deterioração do país coincide agora com a decadência física de Kim Jong-Il. Ele sofreu um derrame cerebral no ano passado e, pelo que se vê nas fotos, o que sobrou é sombra do sujeito rechonchudo do passado. Aos 68 anos, ele tem a aparência de um agonizante, caminha com passos trôpegos e já não se arrisca a pronunciar uma única palavra em público.

O comunismo produziu um governo dinástico que tem mais a ver com os reis coreanos do passado do que com os ensinamentos de Marx e Lenin. Até a boa vontade divina para com o delfim é realçada na versão oficial de que Kim Jong-Il nasceu nas encostas do sagrado Monte Paektu e seu nascimento foi saudado por um duplo arco-íris. Na realidade, ele nasceu em um acampamento militar na Rússia, quando seu pai comandava o batalhão coreano do Exército Vermelho. O regime está inquieto com a sucessão – e talvez seja essa a razão de tanto rebuliço. O filho mais velho, Kim Jong-nam, de 38 anos, seria o candidato natural à sucessão, mas perdeu a vez depois do vexame de ser preso com passaporte falso no Japão, onde pretendia visitar a Disneylândia, em 2001. Também atrapalha sua presença assídua nos cassinos de Macau. O segundo, Kim Jong-chol, não conta. É homossexual e prefere assistir a um concerto de Eric Clapton na Alemanha ao tédio de um desfile militar. O favorito do ditador é o filho caçula, Kim Jong-un, de 26 anos. Educado na Suíça, fala diversas línguas, adora artes marciais e, dizem, tem a cara e o temperamento do pai: é prepotente, não gosta de ser questionado e se enfurece facilmente. É nas mãos desse jovem desconhecido que pode estar a bomba nuclear.

A possibilidade de a Coreia do Norte desfechar um ataque nuclear contra seja lá quem for é pequena. Em parte, porque sabe que, mesmo que arrase Seul, que está a apenas 40 quilômetros de distância, não escaparia de ser igualmente devastada. Há também que considerar que o desenvolvimento de seus artefatos bélicos está em estágio primitivo. Os dois dispositivos testados possuem mais de 3 metros de comprimento e pesam 4 toneladas. Com tais medidas, seria impossível colocá-los na ponta de um míssil. "Os dispositivos coreanos são grandes e rudimentares e não podem ser transportados nem mesmo a bordo de um avião", disse a VEJA o americano Rodger Baker, analista da Stratfor, uma consultoria de geopolítica com sede nos Estados Unidos. Estima-se que o artefato testado na semana passada tenha um poder de destruição de 4 quilotons, ou 4 000 toneladas de dinamite. A capacidade é menor do que a da bomba lançada pelos americanos sobre a cidade japonesa de Hiroshima, de 17 quilotons, mas dez vezes superior àquela testada pelos norte-coreanos em 2006.

A simples existência do programa norte-coreano é a prova da fragilidade dos mecanismos contra a proliferação nuclear. O Paquistão iniciou seu programa nuclear com os manuais de centrífugas de enriquecimento de urânio que o engenheiro Abdul Qadeer Khan roubou da empresa em que trabalhava na Holanda. O projeto da bomba foi comprado dos chineses. Festejado como herói nacional, Khan revelou-se um ladrão. Montou um esquema para vender equipamentos e tecnologia nuclear a quem tivesse interesse. Entre seus fregueses estavam o Irã, a Líbia e a Coreia do Norte. O esquema desabou em 2003, quando um carregamento com material para montar 1 000 centrífugas foi interceptado a caminho da Líbia. A Coreia do Norte agora tem parceria com o Irã no desenvolvimento de mísseis de longo alcance, capazes de levar ogivas nucleares. Montar um programa nuclear clandestino custa mais caro, mas é perfeitamente possível. Israel construiu seu arsenal às escondidas, nos anos 60. É verdade que até então não existia um tratado de não proliferação nuclear e nenhum país tinha obrigação legal de se privar de armas atômicas.

Hoje é formalmente diferente. Devido ao tratado e à fiscalização da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), ligada à ONU, só os países isolados podem tocar seus programas militares sem ligar para a opinião da comunidade internacional. O Irã escondeu por duas décadas sua produção de urânio enriquecido e insiste em não cooperar com as inspeções da AIEA. Que tipo de responsabilidade se pode esperar de aiatolás com dentes nucleares? O presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, fala abertamente em varrer Israel do mapa. Basta esse tipo de exortação ao genocídio para dar ideia do que esse país seria capaz de fazer se tivesse uma bomba nuclear, o que pode ocorrer dentro de dois ou três anos. "A incerteza sobre o comportamento desses regimes pode dar início a uma corrida armamentista no Oriente Médio e na Ásia", disse a VEJA a americana Nina Tannenwald, autora do livro The Nuclear Taboo (O Tabu Nuclear).

Apesar das sanções econômicas impostas pela ONU, o Irã segue desafiando o mundo com seu programa nuclear e está a dois ou três anos de ter a bomba. O arsenal nuclear do Paquistão está, por enquanto, sob a guarda da instituição mais sólida do país, o Exército. Mas há uma guerra aberta com o Talibã, que controla regiões fronteiriças com o Afeganistão. "Não podemos nem contemplar a possibilidade de o Talibã ter acesso ao arsenal nuclear do país", disse a secretária de Estado americana, Hillary Clinton. A possibilidade de terroristas produzirem uma bomba a partir do zero é ínfima. O processo é caro, exige tecnologia e pessoal altamente especializado. É mais simples fabricar uma bomba suja, feita com explosivos comuns e material radioativo. Ninguém precisa pensar muito para ver a conexão entre o perigo de um terrorismo atômico e os programas nucleares em países instáveis e repletos de fanáticos religiosos ou políticos. Essas condições fazem de cada um deles um potencial provedor de material atômico para grupos terroristas. O terrorista, como se sabe, só se ocupa de promover a maior atrocidade possível, sem nenhuma estratégia política que atenue sua perversidade. Se isso ocorrer, a Guerra Fria poderá vir a ser lembrada como o saudoso tempo em que o gatilho nuclear estava em mãos responsáveis.

Fonte: Revista Veja - Editora Abril - Maio 2009

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