Artigo do Padre José do Vale: Paulo VI - Ano da Fé e o Credo


13.12.2012 - O Papa Paulo VI e a proclamação do Ano da Fé, em 1967, por ocasião dos 1900 anos do martírio de São Pedro e São Paulo em Roma. Um ano decisivo que se concluirá com o Credo do Povo de Deus para “testemunhar a nossa vontade inquebrantável de fidelidade ao Depósito da Fé”. “Não podemos minimamente ignorar que os nossos tempos requerem isso com força”.

         Paulo VI olhou para a Igreja, que, como testemunha a sua primeira encíclica, sabia bem que era de um Outro, isto é, de Cristo (Ecclesiam suam), olhou através de todas as boas intuições, as ingênuas esperas, as ilusões e as conversas que naqueles anos a tinham transtornado, e viu. Viu o fim do cristianismo. Não das estruturas, das reuniões, do Vaticano, dos planos pastorais, dos encontros de multidões, que poderiam continuar como coreografias para uso de quem procuram papéis eclesiásticos e consolações religiosas com as quais preencherem a vida (e talvez faz em cima disso até carreira). O que ele via apaga-se era a fé. O nosso tempo como um longo sábado santo, como o tempo da ausência de Deus, quando também os últimos discípulos preparam-se tristes e com o coração apagado, para voltar, cada um para sua casa.
         Paulo VI viu tudo isso e, na tragédia em que a Igreja estava, voltou a recordar-lhe e a repetir-lhe quais eram os seus únicos tesouros: a fé dos apóstolos, guardada pela Tradição (Credo do Povo de Deus), e os pobres, os povos da fome (Populorum progressio) chamados por primeiro para gozar da graça da fé. Repetir as coisas de sempre, um Papa não pode e não deve fazer outra coisa.
         Era o dia 22 de fevereiro de 1967, quando Papa Montini, com a exortação apostólica Petrum et Paulum apóstolos, determinou um ano jubilar particular: o Ano da Fé. Mil e novecentos anos antes, os dois apóstolos Pedro e Paulo tinham sido martirizados em Roma. No final do ano da fé, Paulo VI, pronunciou na Praça São Pedro uma solene profissão de fé, o Credo do Povo de Deus, onde pretendia “testemunhar a nossa vontade inquebrantável de fidelidade ao Depósito da Fé”.
         No dia 11 de julho de 1966, falando a um grupo de teólogos e cientistas reunidos para atualizar a modalidade de apresentação do dogma do pecado original, Paulo VI os adverte sobre a aquiescência a formulações do pecado original que sejam subordinadas à teoria do evolucionismo. Mas é na audiência geral de 30 de novembro daquele ano que Paulo VI descrevendo, “o triste fenômeno que perturba a renovação conciliar e desconcerta o diálogo ecumênico”, esclarece detalhadamente quais sejam as coisas essenciais do cristianismo que se tenta esvaziar: “A ressurreição de Cristo, a realidade da sua verdadeira presença na eucaristia e também a virgindade de Nossa Senhora, e conseqüentemente o mistério augusto da encarnação”. Em outubro de 1966 foi publicado o novo Catecismo holandês, determinado pelo episcopado da Holanda, o protótipo daqueles catecismos pós-conciliares que pensam tornar o cristianismo interessante para o homem moderno substituindo às tradicionais fórmulas de fé discursos complicados e em algumas partes ambíguos e lacônicos. No dia 7 de abril do ano seguinte, falando à assembléia dos bispos italianos, Paulo VI reafirma qual seja a prioridade: “A primeira questão, questão capital, é a da fé, que nós bispos devemos considerar na sua iminente gravidade. Algo muito estranho e doloroso está acontecendo... mesmo entre os que conhecem e estudam a palavra de Deus: falta a certeza na verdade objetiva e na capacidade do pensamento humano de alcançá-la; altera-se o sentido da fé única e genuína; admitem-se as agressões mais radicais e verdades sacrossantas da nossa doutrina, desde sempre acreditadas e professadas pelo povo...”.
         A fé, disse Paulo VI, É “a adesão do espírito, intelecto, vontade a uma verdade”, que se justifica, “pela autoridade transcendente de um testemunho, ao qual não apenas é razoável aderir, mas intimamente lógico, por uma estranha e vital força persuasiva, que torna o ato de fé extremamente pessoal e satisfatório”. Portanto, a fé é “uma virtude que tem as suas raízes na psicologia humana, mas que recebe a sua validade de uma ação misteriosa, sobrenatural, do Espírito Santo, da graça penetrada em nós, em via normal, pelo batismo”. É “aquela capacidade espiritual que nos faz acolher, como correspondentes à realidade, as verdades que a palavra de Deus nos revelou. Portanto a fé é um ato que se fundamenta no crédito que nós damos a Deus vivo”.
         A inauguração oficial do Ano da Fé foi celebrada solenemente no adro da Basílica vaticana na noite de 29 de junho de 1967, festa dos santos Pedro e Paulo. Na homilia, o Santo Padre reafirma que “o Concílio Ecumênico, recém-celebrado, exortou-nos para que voltássemos às fontes da Igreja e a reconhecer na fé o seu princípio constitutivo, a condição primeira de cada seu incremento, a base da sua segurança interior e a força da sua exterior vitalidade”.


CRÍTICAS E SANTIDADE


         Para teólogos e intelectuais trata-se e “atos pietistas”. No início do Ano da Fé, o teólogo holandês Edward Schillebeeckx comentando a iniciativa de Paulo VI, afirma que a crise atravessada pela fé cristã é “uma crise de crescimento”. O seu colega alemão Karl Rahner ironiza a própria possibilidade de ter depois de “um ano da geofísica o ano da fé” e conclui: “Tudo depende de uma reflexão profunda para tornar esta concepção (a cristã) acreditável aos espíritos contemporâneos”.
         O patriarca de Veneza, Albino Luciani na sua homilia pronunciada dia 18 de setembro de 1977 no Congresso Eucarístico Nacional italiano de Pescara é uma apaixonada a escolha de campo, uma explícita declaração de comunhão para com o grande Papa de tempos tão difíceis: “O Pedro que ouvimos no Evangelho vive hoje na pessoa de Paulo VI seu sucessor. Mas há dois Paulo VI: aquele que vimos ontem à noite aqui em Pescara, que se vê e se ouve nas audiências gerais e privadas e aquele que descrevem, a seu modo, inventando e distorcendo, certos livros e jornais. Verdadeiro, autêntico é somente o primeiro: um grande papa, ao qual coube desenvolver a importante missão em tempos difíceis...”.
         Em 07/12/1975, Paulo VI recebia em Roma a delegação da Igreja Oriental, para comemorarem juntos o décimo aniversário da retirada das excomunhões. O Papa beijou os pés do patriarca Meliton da Calcedônia, que chefiava a delegação. E um jornalista de Atenas, muito impressionado, disse: “Só um grande homem pode humilhar-se assim”! Ao que acrescentou o patriarca: “Só um santo, só um santo pode agir desta maneira”! Papa Paulo VI, “grande santo”.

        Escreve o Papa Bento XVI: “Não foi sem razão que, nos primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso assumido com o Batismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do Credo): O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com solidez a fé da Igreja, nossa Mão, apoiada no alicerce seguro que é Cristo Senhor. E vós o recebestes e o proferistes, mas deveis tê-lo sempre presente na mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso coração continue de vigília por ele. [Santo Agostinho, Sermo 215,1] (Porta Fidei, nº 9)”.
        “Ainda hoje temos necessidade que o Credo seja melhor conhecido, compreendido e pregado”, exorta o amado Papa Bento XVI.
         O nosso Pastor Universal Bento XVI nos convida ainda a refletir sobre o ato de acreditarmos e o de assumir o compromisso que devemos. Uma vez que existe uma unidade profunda entre o ato de crer e os conteúdos a que damos o nosso assentimento: “Acredita-se com o coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé” (Rm 10, 10). Sem esquecer que embora sendo um ato de liberdade, a fé exige também assumir uma responsabilidade social daquilo que se acredita. Sendo a fé um dom de Deus (Ef 2,8) e um ato da inteligência humana, ela é o nosso grande tesouro do amor ao Senhor Deus, ao próximo e a posse da nossa eternidade.

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Instituto Teológico Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
E-mail: [email protected]

www.rainhamaria.com.br

Fontes:

30 Dias, nº 9, 1997, pp. 51 e 52.
Porta Fidei, São Paulo. Paulinas, 2012, pp. 12 e 13.
L’osservatore Romano, 20/10/10012, p. 3.

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