Artigo do Padre José do Vale: A Farsa do Brasil dito Religioso


30.12.2012 -  “Deus é um comediante atuando diante de uma platéia assustada demais para rir”.
Voltaire (1694 – 1778)   Filosofo Francês

No teatro da religiosidade brasileira o humor é de desgraça para fazer o povo “morrer de rir” e de fingir de ser crente.
Se Deus fosse brasileiro qual seria a sua religião? Responde o líder indiano Mahatma Gandhi: “Deus não tem religião”. O grande apóstolo dos gentios e o maior teólogo de todos os tempos São Paulo afirma categoricamente: “Deus não habita em templos feitos por mãos humanas. Também não é servido por mãos humanas, como se precisasse de alguma coisa” (At 17, 24 e 25).
          Nosso Senhor Jesus Cristo exorta de forma esplêndida: “Vós adorais o que não conheceis. Os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade” (Jo 4,22. 23).
O Brasil é um tremendo laboratório para pesquisas em Ciência Social da Religião. A religiosidade brasileira é tomada pelo espetáculo do sincretismo. É o caldeirão das crenças e a terra onde faz germinar os deuses da paixão desenfreada, das loucuras da fé e do desespero...
A simbiose: fé, sacrifício, prosperidade, curas, milagres e enganação, ou seja, misticismo, superstição e ilusão. Tudo termina com ou sem fé. “Há um número expressivo de brasileiros que montam seu cardápio religioso e em cada Igreja buscam o que lhes interessa”, escreve o ilustre professor, escritor e autor da excelente obra: “História da Igreja no Brasil”, Padre José Artulino Besen (1).
Segundo o renomado pesquisador Padre Oscar Quevedo, SJ, existem, só no Brasil, mais de 56 mil seitas e religiões.
O site Registro Nacional de Igrejas Evangélicas contabiliza 34.575 delas no País (2).

TEATRO DO HORROR

“A Igreja perdeu seu poder e que as pessoas deixaram de ouvir os conselhos dos padres”, disse o Cardeal Dom Aloísio Lorscheider (3).
Para o teólogo e pastor batista Russel Shedd: “as universidades e os partidos políticos têm muito mais poder sobre a sociedade brasileira do que as igrejas” (4).
O Brasil é o maior país católico, pentecostal e espírita do mundo.
Para os católicos está sob a proteção dos padroeiros, para os protestantes, a frase de efeito: “O Brasil é do Senhor Jesus” e os espíritas: “Brasil, coração do Mundo, Pátria do Evangelho”.
Os acontecimentos terríveis mostram que o Brasil é uma farsa religiosa. Na verdade, é um circo de misticismo, um terreiro sincretista, um teatro de hipócritas paramentados, um santuário de espiritualidade comercial, templos econômicos para seus líderes banqueiros com ritos, cultos, louvor e entretenimento espetacular.
         No sistema religioso agregado a amplitude cultural existe a prática dos três Pês: Placebo, Paliativo e Panaceia. No entanto, a crença permanece devido à natureza religiosa do ser humano e nem por isso o povo deixa de ser alegre e festeiro.
O povo gosta do espetacularização, do glamour, do autossensacionalimo, diga de passagem o carnaval, o futebol e as passeatas...

Vejamos a cara do Brasil;
1- Uma criança é assassinada a cada dez horas no Brasil. “É muito chocante, mas estudos mostram que é no ambiente familiar que os crimes acontecem”, afirma Maria Fernanda Peres, do Núcleo de Estudos de Violência da USP (5).
Em todo o país, estima-se que mais de 40 mil crianças desapareçam anualmente. Cerca de 85% dos menores que desaparecem fugiram de suas casas por causa  de suas famílias desestruturadas (6).
2- Relatório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informa que 38% dos adolescentes do Brasil vivem em situação de pobreza e são o grupo etário mais vulnerável ao desemprego, à degradação ambiental, entre outros indicadores de redução da qualidade de vida. O documento, divulgado ontem, informa que 81 mil adolescentes brasileiros de 15 a 19 anos foram assassinados entre 1998 e 2008. Segundo o texto, o Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de homicídios de jovens. O número de mortes violentas de adolescentes no Brasil é desproporcional em relação a qualquer outro país.
O Unicef faz um apelo para que o governo invista na criação de programas de saúde, educação e segurança voltados especialmente para adolescentes. Pelos dados da ONU, o Brasil tem 33 milhões de adolescentes (entre 10 a 19 anos). (7).
3- O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou o número atualizado de homicídios não solucionados pela polícia no Brasil até 31 de dezembro de 2007. Com a revisão das informações fornecidas em novembro de 2010 pelos estados com maior crescimento: de 8.526 em para 60 mil.
Reportagem do GLOBO mostrou que, dos cerca de 50 mil homicídios ocorridos por ano no Brasil, apenas quatro mil (8%) têm o assassino identificado, segundo estimativa de Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da pesquisa Mapas da Violência 2011, divulgada pelo Ministério da Justiça. (8).
4- 71% dos casos de estupro ocorridos no Rio de Janeiro, em 2011, contra vítimas do sexo feminino, foram praticados em ambiente familiar, segundo levantamento do Instituto de Segurança Pública do Estado. Ainda de acordo com órgão, metade delas tinham menos de 14 anos. Os dados dão conta de uma média de 335 vítimas femininas por mês. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a cada ano mais de um milhão de mulheres são vítimas de violência doméstica no país. 91 mil mulheres foram assassinadas entre 1980 e 2010, segundo o Mapa da Violência 2012 o Brasil tem o 7º maior índice de homicídios contra mulheres entre 84 países (9).
5- No mundo inteiro, a taxa de encarceramento de mulheres vem crescendo mais rapidamente que a de homens. Nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo, o ritmo é duas vezes maior. No Brasil, a situação não é diferente: em apenas cinco anos, de 2000 a 2005, a taxa de encarceramento masculina por 100.000 habitantes cresceu 42%, e a feminina, 110%. Em números absolutos, o Brasil passou de 20.264 mulheres presas em 2005 para 34.807 em 2010, segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional aqui como em outras partes do mundo, esse crescimento a condenações por tráfico de drogas (10). 54% é o índice de dependência das mulheres viciadas.
6- O Brasil é o segundo maior mercado consumidor de cocaína e derivados, com 2,8 milhões de usuários, atrás apenas dos Estados Unidos. Em relação ao crack, o país já é o maior consumidor do mundo, com 1 milhão de usuários no último ano. Os dados fazem parte do segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (II Lenad), promovido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). (11).
Tráfico de drogas é o crime que mais prende. De acordo com dados do Ministério da Justiça, o Brasil encerrou 2011 com 514.582 presos, sendo que 47% são analfabetos ou têm ensino fundamental incompleto. Praticamente a metade tem 29 anos de idade. Os tipos de crime também chamam a atenção: 82.864 estão presos por furtos ou roubos sem uso de armas. O crime que mais encarcera individualmente, porém, é o tráfico de drogas: 119.538 detentos (12).

CONTINUA A MESMA

Manhã de domingo, periferia de Natal. Apesar da chuva fina, os fiéis da Igreja Pentecostal Santuário da Fé montam algumas mesas de plástico na calçada, sob a marquise na frente da igreja. Sobre as mesas, sucos, café. Do fundo vem o som animado de uma música gospel, e os participantes se servem enquanto dançam, riem e convidam os passantes a participar do encontro.
Naquele mesmo bairro de Felipe Camarão funcionam outras 86 igrejas evangélicas. Dez anos atrás, eram 33. Trata-se de uma tendência nacional: enquanto nos últimos 50 anos a população brasileira cresceu 63,2%, o número de evangélicos quase dobrou de tamanho (aumentou 93,3%). A razão pode estar na criatividade e na ousadia evangelística das igrejas neopentecostais como a Santuário da Fé. Ou na sensação de segurança que os membros da vizinha Metodista Pentecostal celebram ao cantar com vibração: “Solta o cabo da nau/E navega com fé em Jesus”.
Novembro de 2009, periferia de Natal. O pastor Edmilson de Melo, do Ministério Pentecostal Unidos por Cristo, é assassinado durante uma vigília de oração em uma duna da região – uma das mais violentas da cidade. O assunto não despertará a atenção dos membros, da Igreja Metodista Pentecostal, no mesmo bairro. Nem da sua vizinha, a Igreja Pentecostal Santuário da Fé, ocupada em promover seu apetitoso café da amanhã para atrair mais fiéis. Enquanto isso continuar acontecendo, a realidade pobre e violenta de nossas cidades continuará a mesma, escreve Orivaldo Pimentel Lopes Júnior que é professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor de “Protestantismo, democracia e violência”, no livro Novas Perspectivas sobre o Protestantismo brasileiro (13).
A religiosidade do povo brasileiro tem sua história na busca de graças, bênçãos, sacrifícios, oferendas, prosperidade, alívio dos sofrimentos, votos, promessas por dias melhores, campanhas, cruzadas, correntes para alcançar o um novo amor ou o antigo voltar mais apaixonado.
O híbrido do nosso povo: religiosidade de interesse e folclore. Dentro desse contexto fica bem claro o escândalo das divisões denominacionais, o avanço das heresias, principalmente da teologia da prosperidade e da onda do show gospel, a falta de amor entre os irmãos e a vergonha do descaso das obras sociais.
A ganância do povo por bens materiais, pobreza, drogas, visão de luxo propagado pela mídia e ambição materialistas dos líderes religiosos, fazem mergulhar a sociedade em conflitos, atos violentos e na corrupção.
A farsa religiosa não promove em nada a transformação da sociedade, pelo contrário, deixa esta no cenário do terror. Países ditos religiosos seus índices de criminalidades, exclusão, intolerância, corrupção e violências são maiores do que os países não religiosos.
A cultura brasileira desde a sua invasão, exploração, escravidão, imposição, procissão, rei mandão, pelotão assassino e patrão cruel, fez do brasileiro religioso praticar a maldade muito maior do que aquele que não tem religião. O religioso no poder, na liderança, sua perversidade exercida não tem limites. Os movimentos religiosos de fanáticos e acontecimentos eclesiásticos na história do Brasil provam essa cruel realidade.
Hoje continua a mesma coisa: pobres, fracos e ignorantes sofrem humilhações da poderosa liderança religiosa.
Dizia o sábio Dom Helder Câmara: “A religião anunciada a homens sem liberdade se torna necessariamente uma religião fatalista e mágica. É preciso viver a religião e não somente representá-la” (14).
Para uma profunda reflexão:
“Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! Entrará no reino dos céus” (Mt 7, 21).
“Por fora pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade” (Mt 23, 28).
“Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” (Mc 8,36). São palavras do Mestre Jesus de Nazaré.

Pe. Inácio José do Vale
Professor de História da Igreja
Instituto Teológico Bento XVI
Sociólogo em Ciência da Religião
Pesquisador do CAEEC (Área Pós-Graduação)
E-mail: [email protected]

www.rainhamaria.com.br

NOTAS:
(1) Besen, José Artulino. História da Igreja no Brasil. O evangelho acolhido pelos pobres. Florianópolis/SC: Mundo e Missão, 2012, p.8.
(2) Evangélicos – Grandes líderes da atualidade, dezembro de 2011, p.11.
(3) Veja, 24/04/1991, p. 7.
(4) Cristianismo Hoje, fevereiro/março de 2012, p.18.
(5) O Globo – O País, 06/04/2008, p.3.
(6) Jornal de Brasil, 11/02/2008, p. A5.
(7) O Globo – O País, 26/02/2011, p. 13.
(8) O Globo, 11/05/2011, p.4.
(9) Folha Universal, 02/12/2012, p.4.
(10) O Globo, 24/07/2011, p.7.
(11) O Globo, 06/09/2012, p.10.
(12) O Globo – O País, 16/11/2012, p.5.
(13)  Revista de História da biblioteca Nacional, dezembro de 2012, pp. 35 e 37.
(14)  Rocha, Zildo. Helder, o dom. Petrópolis,RJ: Vozes, 1999, p. 2
 

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